COMPORTAMENTO EXEMPLAR
Se almejarmos somente a
média, seremos medíocres. Se almejarmos a excelência, seremos excelentes. Meu
curso de administração dava muita ênfase à psicologia. Foi assim que conheci
pessoalmente B.F. Skinner, Carl Rogers e Erik Erikson. O que me chamou a
atenção foi a escassa literatura no que chamarei de comportamento exemplar.
Ausência de doença não significa ter um corpo saudável e atlético. Ausência de
neuroses e fobias não significa ser uma pessoa excepcional. Por que tão poucos
modelos de excelência humana são apresentados aos pacientes como exemplos a ser
seguidos?
Isso tem a ver com a história da psicanálise e da psiquiatria, que surgiu da observação dos pacientes com distúrbios mentais que procuravam médicos como Freud, Adler e Jung. O universo de observação ficava assim restrito e enviesado. Por isso, chega-se a conclusões como "os normais são raros, mas existem". Raros são os normais que procuram terapias, raros são os analistas que vão a campo identificar e "analisar" as pessoas excepcionais e que fazem a diferença por aí.
Os grandes exemplos humanos não são mais exaltados em verso e em prosa pelos poetas, cineastas e historiadores de hoje, como antigamente. Superar-se e realizar sonhos tem sido a seara quase exclusiva dos autores de livros de auto-ajuda, razão do seu franco crescimento, com raras exceções. Quem são os pequenos heróis de hoje, as pessoas felizes, as famílias bem-sucedidas, cujos exemplos nos seriam uma lição? Gostaríamos de saber.
Eu também cometi esse erro de observação no início da minha carreira. Analisava empresas "doentes", empresas concordatárias ou falidas, e delas tirava minhas conclusões. O acesso aos dados de empresas concordatárias era farto, enquanto empresas bem-sucedidas e exemplares escondiam o leite. Afinal, "o segredo é a alma do negócio". Foi quando percebi que algo estava errado na abordagem científica da época e criei, em 1974, a edição Melhores e Maiores, da revista Exame. Passei a procurar identificar e divulgar as melhores empresas deste país, para que elas servissem de exemplo às demais. Em 1981, Tom Peters adotou a mesma abordagem no seu best-seller Em Busca da Excelência, que consagrou esse método também nos Estados Unidos. Hoje, todo livro de administração moderna fala de empresas vencedoras e bem-sucedidas.
Quando a jornalista Gail Sheehy escreveu o livro Pathfinders, em 1981, achei que ela provocaria a mesma revolução no estudo do ser humano. Conhecida pelo livro Passagens, Gail inovou o sistema de observação do ser humano entrevistando pessoas consideradas exemplares pelos seus pares. Ela catalogou 40.000 questionários perguntando: "Quem na sua cidade você admira, quem na sua cidade você emula e gostaria de ser?". Pesquisa jamais replicada no Brasil. Os 200 identificados não eram pessoas "bem-sucedidas" conforme a definição materialista atual por ter dinheiro ou poder, mas pessoas que outros consideravam um exemplo. Gail buscou identificar o positivo, em vez do negativo. Todas as pessoas entrevistadas por Gail quando jovens eram otimistas quanto ao próprio futuro. Tinham uma visão positiva de si e do mundo. Aprenderam essas lições de seus pais, não de seus professores. Tiveram enormes reveses na vida, perderam um filho, separaram-se mais de uma vez, e assim por diante. Todo ser humano tem problemas, e o segredo é saber administrá-los e não se deixar desesperar por causa deles. Ao contrário, foi justamente a correta administração desses problemas que as fez crescer como pessoas. Elas passaram a acreditar em si mesmas como construtoras da própria realidade.
Eu conheço dezenas dessas pessoas excepcionais – como por exemplo irmã Lina, a quem me referi aqui, em VEJA, na edição de 24 de abril de 2002 – que, infelizmente, nossos poetas, cineastas e intelectuais insistem em manter anônimas. Um único dia ao lado dessas pessoas maravilhosas é um tônico revigorante, uma lição de vida e muito melhor do que qualquer antidepressivo que alguém possa receitar.
Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School (www.kanitz.com.br)
Revista Veja, Editora Abril, edição 2008, ano 40, nº 19, 16 de maio de 2007, página 24
Fonte: http://www.kanitz.com/veja/comportamento_humano.asp
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