O Homem com naufrágio dentro

JJo
                                          Jorge Adelar FinattoJorgJorge Adelar Finattoe Adelar Finatto

O homem morava dentro do escafandro.

Os peixes o acompanhavam onde quer que fosse.

Habitava o território de uma aquarela marinha.

As tardes povoadas de barcos, gaivotas, ventos, búzios.

Ela partiu certa manhã para um giro em torno da ilha.

Gostava de ouvir o rumor azul do mar batendo nas pedras.

Nunca mais retornou.

O homem foi mirar os longes na beira do alto penhasco.

A barba cresceu, o vento misturou as folhas do calendário, enquanto ele a esperava.

A lágrima verteu cálida sobre a face fria.

Ele passou então a morar no interior do escafandro.

Homem com naufrágio dentro.

Ela estava deitada no leito submerso do seu coração.

Nada em sua nudez, vestida de calor e luz, lembrava a oca presença.

O rosto parecia sereno, feliz.

Os cabelos flutuavam como anêmona.

Ele quis morar com ela no fundo das águas.

O irremediável abismo o chamava.

Muitas noites adormeceu com a esperança de não acordar.

Os peixes desenhavam coloridos traços ao redor do homem para despertá-lo.

Um dia ele acordou nas profundezas da manhã austral.

Uma força impressionante o puxou do escafandro, ele enfim subiu,

arrastando suas correntes.

A praia vazia, as palmeiras, o vento, a nuvem.

A voz dela se distanciando na trompa dos búzios.

O homem saiu a andar na praia deserta da aquarela.

O que ele fez para suportar todas as manhãs que vieram depois é um mistério que só os peixes conhecem.

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