TOLERÂNCIA ZERO
Os governantes e polícia de Porto Alegre precisam
ter sempre presente que o descaso e falta de rigor com a segurança, vandalismos
e os delitos que são noticiados diariamente na imprensa estão insuportáveis.
O artigo de Daniel Sperb Rubin publicado no “JUS
NAVIGANDI”, http://jus.com.br/revista/autor/daniel-sperb-rubin,
em 1 de fevereiro de 2003, dá boas idéias de como lidar com o assunto, por
isso, muito oportuna sua republicação.
Janelas
quebradas, tolerância zero e criminalidade
Introdução
Enquanto
os índices de criminalidade no Brasil atingem níveis intoleráveis, obrigando o
cidadão de bem a trancar-se dentro de sua própria casa, e as autoridades
responsáveis pela política de segurança pública em nosso país parecem
simplesmente não saber que rumo tomar, nos Estados Unidos encontra-se em pleno
andamento uma extraordinária experiência de redução de criminalidade.
Pela
primeira vez depois de trinta anos de aumento contínuo, os índices de
criminalidade nas grandes cidades dos EUA apresentam substancial redução [1].
A que se deve isso? Ouve-se falar na política criminal de tolerância zero.
Sabe-se que foi aplicada em Nova Iorque, durante a gestão do Prefeito Rudolph
Giuliani. Mas não se sabe exatamente quais seus fundamentos teóricos. Ouve-se
falar, também, na broken
windows theory (teoriadas janelas quebradas), mas,
igualmente, não se sabe qual a sua origem e o que, exatamente, significa.
Neste
despretensioso estudo, procuraremos demostrar como os EUA, a partir da broken windows theory e da
operação tolerância zero, conseguiram reduzir drasticamente os índices de
criminalidade em algumas de suas grandes cidades, notadamente, em Nova Iorque.
Analisaremos algumas críticas feitas à política criminal de tolerância zero,
bem como os limites impostos pelo judiciário americano, ocasião em que se fará
menção a algumas decisões que informam a jurisprudência americana acerca do
assunto. Por fim, teceremos considerações sobre a situação brasileira no
combate à criminalidade.
Broken Windows Theory
– Origens e Fundamentos
Em
1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George
Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em
que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre
desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety ( A
Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de
janelas quebradas para
explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se
numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade
de vida.
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da Lei nº 9.605/98 e o art. 2º da Lei nº 8.176/91?
Kelling
e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse
quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem
concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não
havia autoridade responsável pelo manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas
pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas
ainda intactas. Logo, todas as janelasestariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem
concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua
em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua
e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou
pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum
negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte
seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à
mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais
tarde, ao crime.
Em
razão da imagem das janelas quebradas,
o estudo ficou conhecido como broken
windows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política
criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com
tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "tolerência zero".
Ainda
exemplificando, Kelling e Wilson afirmavam que uma comunidade estável, na qual
as famílias cuidavam de suas casas, se preocupavam com as crianças dos outros e
desconfiavam de estranhos, poderia transformar-se, em poucos anos, ou até mesmo
meses, em uma selva assustadora. Uma propriedade é abandonada. O mato cresce.
Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças e adolescentes
desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias
mudam-se daquela comunidade.
Adultos, sem laços com a família, mudam-se para aquela comunidade. Adolescentes
desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O comerciante
pede que se retirem. Eles recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula. Pessoas
começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá
permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da
criminalidade.
Em
1990, o Professor da Universidade Northwestern de Ciências Políticas, Wesley
Skogan, publicou um estudo baseado em pesquisa na qual 13.000 pessoas
residentes em áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia,
Newark e São Francisco haviam sido entrevistadas. O estudo era entitulado Disorder and Decline: Crime and the
Spiral of Decay in America Neighborhoods (Desordem e Declínio:O Crime e a
Espiral de Decadência nas Comunidades Americanas) e confirmava os
postulados da broken windows
theory. Mas ia além disso, afirmando que a relação de causalidade
entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre
criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades,
tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Esta
conclusão é de fundamental importância, especialmente diante da afirmação,
sempre repetida e jamais comprovada, de que a principal causa da criminalidade
reside nas injustiças sociais, desemprego, pobreza, falta de oportunidades,
etc. Mais adiante, quando analisarmos às objeções a broken windows theory e à tolerância zero,
voltaremos ao assunto.
Em
1996, Kelling, em conjunto com Catherine Coles, lançou a obra definitiva sobre
a teoria das janelas quebradas: Fixing
Broken Windows– Restoring Order and Reducing Crimes in Our Communities
(Consertando asJanelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o
Crime em Nossas Comunidades). Nesta obra, o autor iria além, e
demonstraria a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não
repressão a pequenos delitos e contravenções. Assim como a desordem leva à
criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, leva,
inevitavelmente à criminalidade violenta.
No
entanto, muito antes, em 1967, um relatório [2]preparado para uma
comissão criada pelo então Presidente Lyndon Johnson para o estudo de
estratégias de combate à criminalidade (Commission
on Law Enforcement and Crime) já apontara, com base em pesquisas e
entrevistas com cidadãos que o medo da criminalidade estava fortemente
relacionado à existência de desordem nas comunidades. No entanto, esta relação
foi ignorada até o início dos anos 80 e, registre-se, continua a ser contestada
(e ainda ignorada em muitos países), não obstante as evidências que indicam o
seu acerto.
Durante
três décadas, a criminalidade só fez aumentar nos EUA. O modelo americano de
combate à criminalidade falhara porque não reconhecia a relação de causa e
efeito entre desordem, medo, criminalidade violenta e decadência urbana.
Kelling e Coles demonstram como, ao longo do século XX, a polícia americana
foi, aos poucos, abandonando suas tarefas na manutenção da ordem pública para
dedicar-se, exclusivamente, ao combate ao crime. A raiz do aumento da violência
nos EUA na segunda metade do século XX está, também, nesta mudança de
estratégia da polícia. Originalmente, o papel da polícia americana era o de
manter a paz e prevenir o crime. A prevenção do crime era feita com a presença constante
da polícia no seio da comunidade. E aqui reside outro fundamento da broken windows theory. O
policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade, e lidar
com as condições que criam o crime (desordens de todo o tipo, embriaguez pública,
jogos ilegais, etc.). Assim, ele conhece a comunidade, e é conhecido por ela.
Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade policial, e este vínculo,
permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da desordem e de
pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta. Assim, se
algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como
a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá,
ou mesmo prendê-lo se o mesmo for apanhado no exercício do tráfico. Mas para
isso é preciso uma comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem, e
uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia, de modo que ambos se
auxiliem mutuamente.
O
policiamento comunitário, portanto, é fundamental na prevenção do crime. A
presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a
criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do "foot
patrol", ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que
percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz, do ponto de vista da
prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que
circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro
da polícia, para continuar a desordem, o que torna-se muito mais difícil com o
patrulhamento a pé.
Nos
EUA criou-se a idéia de que a polícia não devia mais zelar pela ordem pública,
mas investir todos os seus esforços apenas no combate ao crime. Assim,
desordens e pequenos ilícitos foram deixados de lado, para que se combatesse
apenas os crimes mais graves. Portanto, as pequenasjanelas
quebradas não mais eram reparadas, até que chegou-se
a um ponto insustentável onde a criminalidade aumentou de tal forma nos centros
urbanos, que muitos deram-se por conta do equívoco da estratégia adotada.
No
Brasil, já chegamos a este ponto há muito tempo. A "estratégia das
prioridades", adotada tanto pela Polícia como, pode-se dizer, por Juízes e
Promotores, e que consiste em priorizar o combate à criminalidade violenta, sob
argumentos diversos, que vão desde a falta de recursos até a desnecessidade de
reprimir comportamentos que configuram não mais do que um mero ato de desordem
ou uma pequena contravenção, passando pela alegação de o crime tem causas sociais,
repete o equívoco cometido nos EUA e é uma das principais causas do aumento
avassalador da criminalidade violenta em nosso país.
Sob
esta estratégia, cria-se um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade
violenta. Não se combate a desordem e os pequenos delitos porque deve-se
priorizar o combate à criminalidade violenta. No entanto, a criminalidade
violenta é justamente resultado da falta de combate à desordem e aos pequenos
delitos. Esta lógica perversa precisa, em algum momento, ser quebrada.
Como
diz Kelling, o Juiz pode achar difícil que apenas umajanela quebrada seja tão importante para
permitir que a polícia exerça alguma autoridade sobre uma pessoa que possa quebrar mais janelas. Ocorre que o Juiz vê apenas um flash da rua num determinado
momento, ao passo que o público, ao contrário, vê todo o filme se desenrolando
a sua frente, que mostra a lenta e inexorável decadência da sua rua e de sua
comunidade.
A
Broken Windows Theory aponta
um caminho para a redução da criminalidade, que já teve efeitos positivos nos
EUA, como a seguir se verá, e que tem como base a repressão à desordem e aos
pequenos delitos e, também, o policiamento comunitário. Não é mais possível
ignorar esta extraordinária vitória contra o crime.
A Operação Tolerância
Zero – A Retomada do Metrô e das Ruas para o Povo de Nova Iorque
Um
dos principais temas de debate durante a campanha para as eleições à Prefeitura
de Nova Iorque, em 1993, foi o que fazer contra os "esqueegeemen", pessoas,
normalmente jovens e atuando em grupo, que mediante ameaças veladas, ou nem
tanto, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros
sem que tivessem sido solicitados a fazê-lo. Tanto David Dinkins (então
Prefeito) como Rudolph Giuliani (um ex-Promotor Federal que viria a ser eleito)
prometiam um combate incessante contra a atuação destes grupos, simplesmente
porque esta era uma das principais reclamações dos nova-iorquinos que viam na
atuação daquelas pessoas a ausência de ordem e autoridade, bem como uma ameaça
constante, que levava ao medo e à decadência da qualidade da vida urbana. Esta
situação bem demonstra o ponto de insuportabilidade a que o cidadão comum
daquela metrópole chegou, quando passou a exigir das autoridades providências
enérgicas no sentido de restabelecer-se a qualidade de vida, já então em plena
decadência.
Na
verdade a decadência urbana de Nova Iorque desenvolvera-se de maneira lenta e
constante ao longo dos anos 70 e 80, diante da tolerância com a desordem e os
pequenos ilícitos. As pichações não eram reprimidas. As gangues se
proliferavam. Permitia-se que os sem-teto ocupassem espaços públicos, como
metrôs, parques e praças, e lá fizessem suas necessidades. Não se os obrigava a
recolherem-se aos abrigos públicos. Além disso, eles passavam a mendigar de
maneira cada vez mais agressiva e ameaçadora. Pequenos delitos como ingressar
no metrô sem o pagamento da passagem, pulando a catraca, quase não eram mais
reprimidos. Tudo isso levava a um aumento constante da criminalidade.
Esta
situação era mais grave ainda no sistema de transporte subterrâneo de Nova
Iorque, o metrô, em razão das peculiaridades de se tratar de um local fechado,
deserto à noite, mas utilizado por grande parte dos habitantes como único meio
de transporte viável (aproximadamente três milhões de pessoas utilizam o metrô
de Nova Iorque num único dia). O metrô tornara-se um grande problema.
Em
abril de 1990, William Bratton, um policial que fizera carreira rápida e
brilhante na polícia de Boston, tendo se destacado principalmente por sua
atuação frente à polícia de trânsito daquela cidade, foi contratado pela
Polícia de Trânsito de Nova Iorque, para "resolver o problema do
metrô". Antes, George Kelling já havia sido contratado e, com a chegada de
Bratton, passou a "alimentá-lo" com idéias e material de leitura.
Bratton
imediatamente identificou os três principais problemas do metrô: passageiros
que pulavam a catraca e não pagavam a passagem, desordem e crime.
O
não pagamento da passagem havia se tornado epidêmico. O prejuízo da
municipalidade girava em torno de oitenta milhões de dólares por ano. Os
desordeiros simplesmente pulavam as catracas. Aqueles que pagavam sentiam que
estavam entrando em um local onde não havia lei e a desordem imperava e
começavam a se perguntar se valia a pena continuar respeitando a lei.
A
desordem só fazia crescer. Pichações, mendicância agressiva e vandalismo
criavam um clima propício à criminalidade.
A
criminalidade no metrô aumentava e tornava-se mais violenta, com a proliferação
de gangues juvenis, cada vez mais usando armas de fogo e simplesmente
assaltando as pessoas.
Bratton
teve imensas dificuldades no sentido de mostrar aos policiais sob o seu comando
a necessidade de combater-se a desordem e o não pagamento das passagens. Afinal
de contas, como policiais, e em consonância com a política de segurança pública
até então adotada, eles achavam que o seu trabalho era combater o crime e não a
desordem ou o não pagamento de passagens. Vencida esta barreira, ele começou a
aplicar a broken windows
theory ao problema do metrô.
No
seu entendimento, o não pagamento da tarifa era a principal janela quebrada no sistema
subterrâneo de trânsito. Até então, a Polícia de Trânsito não prendia em grande
número aqueles que pulavam as catracas. Isto era considerado um delito menor.
Apenas uma ou duas vezes por ano, eram feitas prisões em massa e os detidos
eram levados ao Yankee Stadium, numa espécie de demonstração pública. Isto,
obviamente, em nada alterava a situação. Bratton começou a aplicar uma
estratégia de fazer pequenas prisões em massa, de estação em estação. Como não
havia efetivo suficiente para efetuar as prisões em todas as estações, a
Polícia de Trânsito de Nova Iorque alternava dias e horários. Em algumas
estações, era como se não houvesse catracas. A imensa maioria das pessoas
simplesmente pulava por elas. Nesta situação, policiais a paisana apenas
esperavam as ondas de dez ou vinte "saltadores de catraca" para então
prendê-los. Os poucos que ainda pagavam a passagem, ao verem as prisões sendo
efetuadas, estimulavam e elogiavam os policiais. Pagar a passagem começava
novamente valer a pena. Mesmo às três horas da madrugada, policiais à paisana
postavam-se nas estações, como se fossem passageiros esperando o metrô. Um
desordeiro entrava na estação, olhava para os lados e não via nenhum policial
uniformizado. Pulava a catraca e era imediatamente preso pelos policiais à
paisana. O medo da prisão começou a alterar o comportamento daqueles que não
pagavam a passagem. A quantidade dos que não pagavam começou a declinar
significativamente. A primeira grande janela quebrada estava sendo consertada.
Àquela
altura, já estava ficando claro para Bratton que a grande maioria das pessoas
detidas por não pagarem a passagem eram justamente aquelas que causavam
desordem no interior do metrô. Além disso, muitas das pessoas detidas, ou
carregavam armas consigo, ou eram pessoas procuradas com mandados de prisão
expedidos contra si. Atacando o problema do não pagamento das passagens,
estava-se prevenindo a desordem e também que elementos criminosos entrassem no
sistema subterrâneo de trânsito. Depois de um tempo, os desordeiros e
criminosos começaram a deixar suas armas em casa. Menos armas, menos roubos,
menos assaltos, menos assassinatos, menos vítimas. Começava-se a demonstrar, na
prática, a relação entre desordem e criminalidade no interior do metrô. E,
talvez mais importante, mediante um trabalho que era, ao mesmo tempo de
repressão e de prevenção. Repressão à desordem e aos pequenos delitos.
Prevenção aos crimes graves. E tudo isto apenas pela repressão a um delito
patrimonial que custava, isoladamente, pouco mais de um dólar, e que, segundo
muitos "entendidos", jamais deveria merecer a menor atenção da
polícia.
Quando
venceu as eleições para a Prefeitura de Nova Iorque em 1993, Rudolph Giuliani
nomeou Bratton para chefiar o Departamento de Polícia. Depois do metrô, era
hora de devolver as ruas aos novaiorquinos.
O
que Bratton fez, em verdade, foi uma profunda reestruturação do Departamento de
Polícia de Nova Iorque, mas tendo como uma das premissas básicas sempre os
postulados da broken windows
theory.Tendo em mente sempre a necessidade de coibir a desordem e
reprimir os pequenos delitos, Bratton foi, aos poucos, devolvendo as ruas ao
povo.
Uma
de suas primeiras iniciativas foi atacar a conduta daqueles grupos de jovens
que, de maneira velada ou não, geralmente em grupos, extorquiam dinheiro de
motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem terem sido
solicitados a fazê-lo. O que poderia parecer, em um primeiro momento, algo com
que a polícia sequer deveria se preocupar, estava, na verdade, atormentando os
motoristas, que se sentiam constantemente ameaçados. Era, na verdade, uma janela quebrada. Como esta
conduta constituia uma infração menor, punida apenas com serviços comunitários,
estas pessoas não podiam ser presas, mas apenas intimadas a comparecer em
juízo. Ocorre que nem isto vinha sendo feito. Começou-se a fazer. No início, os
intimados não compareciam a juízo e isto (o não atendimento à intimação)
autorizava que fossem presos. Então prisões foram feitas. Com a certeza da
punição, aquilo que durante anos atormentara a vida dos motoristas de Nova
Iorque teve fim em poucas semanas.
Outras
pequenas vitórias contra pequenos ilícitos confirmavam a teoria
de Kelling: uma pessoa foi presa por urinar num parque, quando questionada
sobre outros problemas deu informações à polícia que resultaram na localização
de um esconderijo de armas; um motociclista foi detido por andar sem capacete,
revistado, descobriu-se que carregava duas armas consigo e tinha várias outras
em seu apartamento; uma pessoa vendendo mercadoria de origem suspeita, depois
de questionada levou a polícia a um receptador de armas roubadas.
Nem
todo aquele que pratica um delito menor pode ser considerado capaz de um delito
grave. No entanto, alguns serão, especialmente se não encontrarem nenhuma
repressão ao pequeno ilícito praticado. Além disso, podem ter informações sobre
outras pessoas que são criminosos perigosos.
Outro
fundamento da broken windows
theory, o policiamento comunitário, também foi aplicado por Bratton
em Nova Iorque. Em verdade, quando ele assumiu a chefia do Departamento de
Polícia, tal plano já estava em andamento, com a contratação de mais policiais
para trabalharem nas ruas e nas comunidades. O que Bratton fez foi aperfeiçoar
o plano, identificando as áreas de maior criminalidade e desordem, e lá lotando
um maior número de policiais. Bratton é explícito ao afirmar que "os
policiais comunitários podem identificar as preocupações da comunidade e,
algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença física".
E
para os que ainda acham que um maior número de policiais nas ruas e entranhados
nas comunidades não faz muita diferença, é o insuspeito Claus Roxin quem diz:
"... sobretudo, sou partidário da concepção – que surgiu na América do
Norte e pouco a pouco ganha mais partidários na Alemanha -, de que a polícia
faz falta na rua e não nos gabinetes públicos" [3].
Em
estudo sob o título "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia –
a experiência norte-americana", Theodomiro Dias Neto, Mestre em Direito
pela Universidade de Wisconsin (EUA) e Doutorando em Direito pela Universidade
do Sarre (Alemanha), afirma que o debate contemporâneo na área policial gira em
torno de como viabilizar a parceria entre polícia e comunidade na tarefa de
prevenção ao crime, informando que a proposta é um estilo diferenciado de
policiamento, caracterizado por: 1) uma concepção mais ampla da função policial
que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a
invocar a presença da polícia; 2) descentralização dos procedimentos de
planejamento e prestação de serviços para que as prioridades e estratégias
policiais sejam definidas de acordo com as especificidades de cada localidade;
3) maior interação entre policiais e cidadãos, visando ao estabelecimento de
uma relação de confiança e cooperação mútua. [4] Tanto a broken windows theory, como
a operação tolerência zero, abarcam estes três itens. E é isto o que Bratton
fez em Nova Iorque. Quando refere "concepção mais ampla da função policial
que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a
invocar a presença da polícia", Theodomiro Dias Neto está fazendo
explícita referência à manutenção da ordem como uma das funções policias.
O
resultado da aplicação da broken
windows theory pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque foi a
diminuição, pela primeira vez em trinta anos, dos índices de criminalidade
naquela cidade. Desde 1994, tais índices vêm diminuindo. A história desta
estratégia vitoriosa é contada por William Bratton em seu livro "Turnaround – How America’s Top
Cop Reversed the Crime Epidemic" (A Reviravolta – Como a Polícia Americana
Reverteu a Epidemia de Crime). Esta política de segurança pública,
a da aplicação da teoria de Kelling no combate à
criminalidade em Nova Iorque é que veio a ser popularmente conhecida como
"operação tolerância zero". Muito distante, portanto, da caricatura
que alguns desinformados, por vezes, pintam, reduzindo a "operação
tolerância zero" a uma mera "limpeza" das ruas centrais da
cidade, que, na sua equivocada visão, consistiria apenas na retirada de
prostitutas, gigolôs, bêbados e traficantes das ruas centrais de Nova Iorque.
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