Os idosos brasileiros começam a subir a montanha
Por João José
Forni
Os aficionados do cinema
certamente conhecem um belíssimo filme chamado Balada de Narayama, de Shoshei
Imamura. No fim do século XIX, em algumas regiões pobres do Japão, para
sobreviver é preciso descartar os velhos. Ao completar 70 anos de idade, os
moradores dos humildes vilarejos deveriam subir a ao topo da montanha sagrada.
Lá deveriam esperar pela hora da morte, sozinhos. Embora de extrema beleza, o
filme não faz justiça à forma como os orientais tratam e respeitam os anciãos.
Por que esse preâmbulo? Simplesmente porque no Brasil, apesar do aumento da expectativa de vida, os idosos continuam abandonados pelo poder público, sofrem discriminação da sociedade e da própria família, principalmente quando doentes e dependentes. Não raro, a TV nos mostra enfermeiros ou cuidadores agredindo idosos, porque os filhos não têm condições de dar-lhes apoio. A montanha de Narayama no Brasil chama-se abandono.
O que esperar de uma sociedade que descarta os mais velhos, quando já não podem contribuir produtivamente? Ou fica indiferente à violência doméstica, porque a maioria das ocorrências não chega ao conhecimento público? A sabedoria e a experiência da idade são facilmente trocadas por valores descartáveis. Ironicamente, velho virou sinônimo depreciativo daquilo que não presta mais. Daí o triste preconceito de que o aposentado é um pária. Representaria um "peso" para a sociedade, ao sugar recursos do estado e não contribuir para a geração de riqueza. O idoso só tem alguma chance de escapar da segregação, se o salário servir para completar a renda da família. Até porque muitos ainda são a principal fonte de renda dos dependentes.
Cria-se com isso um estereótipo. Valoriza-se a geração produtiva, competitiva, sarada e bonita, que trabalha e produz. Algumas empresas chegam a colocar restrições à contratação de idosos, afrontando a lei. Por trás disso, ainda que de forma velada, esconde-se o preconceito da idade, de raça, de classe social, muito alinhado com os modelos anoréxicos e de feições anglo-saxônicas vendidos pela publicidade. Quem fugir desse padrão, pode ser descartado. Certamente, essa visão é fruto da cultura ocidental, onde os idosos são encarados como fardos, que atrapalham a corrida desenfreada pelo sucesso. Os valores da família passam a ser medidos pelo saldo da conta bancária e não pelas relações humanas ou afetivas.
Além de não existir políticas de inclusão para idosos, outra evidência do pouco caso das autoridades salta aos olhos no momento em que eles mais precisam dos serviços públicos, principalmente saúde e assistência social. A maioria não possui planos de saúde. O salário de aposentado não seria suficiente para pagar as prestações. Não resta outra alternativa a não ser enfrentar as filas e a precariedade do sistema público de saúde. Hoje, os aposentados são disputados pelos bancos, apenas porque se transformaram em clientela especial, facilmente seduzidos pelos empréstimos consignados.
Mas por que os idosos acabam sendo incômodos para os parentes e a sociedade? Hoje, ao contrário do que acontecia no passado, toda a família trabalha, fruto da revolução ocorrida na segunda metade do século XX. Ninguém, portanto, está disposto a abrir mão da carreira profissional para cuidar de idosos em casa, principalmente se são doentes. Ou eles ficam sozinhos, sujeitos aos riscos inerentes à idade avançada, ou acabam na mão de enfermeiros, cuidadores ou em casas de repouso. Ali, de certa forma, filhos ou netos tiram um peso da consciência. Compram a liberdade de prosseguir nas suas carreiras, com uma mensalidade que terceiriza os cuidados com o idoso. Opção aceitável, não fosse a solidão o resultado perverso desse exílio compulsório a quem dedicou toda a vida à família e ao trabalho.
Ignorados em casa, nos asilos as visitas se tornam raras. Os laços familiares, hoje, muito tênues, acabam definhando com a distância. A figura do avós ou bisavós não tem hoje a força do passado nas relações de parentesco.
Assim, embora os idosos brasileiros não precisem subir a montanha aos 70 anos, muito antes alguns deles já foram escanteados pela família e a sociedade. É preciso que o país se prepare, pois nos próximos anos a população com mais de 60 anos ultrapassará a de jovens. Então, a balada de Narayama, de uma alegoria genial do cineasta japonês, poderá se transformar numa dura realidade brasileira.
Veja também: SEXALESCENTES
Por que esse preâmbulo? Simplesmente porque no Brasil, apesar do aumento da expectativa de vida, os idosos continuam abandonados pelo poder público, sofrem discriminação da sociedade e da própria família, principalmente quando doentes e dependentes. Não raro, a TV nos mostra enfermeiros ou cuidadores agredindo idosos, porque os filhos não têm condições de dar-lhes apoio. A montanha de Narayama no Brasil chama-se abandono.
O que esperar de uma sociedade que descarta os mais velhos, quando já não podem contribuir produtivamente? Ou fica indiferente à violência doméstica, porque a maioria das ocorrências não chega ao conhecimento público? A sabedoria e a experiência da idade são facilmente trocadas por valores descartáveis. Ironicamente, velho virou sinônimo depreciativo daquilo que não presta mais. Daí o triste preconceito de que o aposentado é um pária. Representaria um "peso" para a sociedade, ao sugar recursos do estado e não contribuir para a geração de riqueza. O idoso só tem alguma chance de escapar da segregação, se o salário servir para completar a renda da família. Até porque muitos ainda são a principal fonte de renda dos dependentes.
Cria-se com isso um estereótipo. Valoriza-se a geração produtiva, competitiva, sarada e bonita, que trabalha e produz. Algumas empresas chegam a colocar restrições à contratação de idosos, afrontando a lei. Por trás disso, ainda que de forma velada, esconde-se o preconceito da idade, de raça, de classe social, muito alinhado com os modelos anoréxicos e de feições anglo-saxônicas vendidos pela publicidade. Quem fugir desse padrão, pode ser descartado. Certamente, essa visão é fruto da cultura ocidental, onde os idosos são encarados como fardos, que atrapalham a corrida desenfreada pelo sucesso. Os valores da família passam a ser medidos pelo saldo da conta bancária e não pelas relações humanas ou afetivas.
Além de não existir políticas de inclusão para idosos, outra evidência do pouco caso das autoridades salta aos olhos no momento em que eles mais precisam dos serviços públicos, principalmente saúde e assistência social. A maioria não possui planos de saúde. O salário de aposentado não seria suficiente para pagar as prestações. Não resta outra alternativa a não ser enfrentar as filas e a precariedade do sistema público de saúde. Hoje, os aposentados são disputados pelos bancos, apenas porque se transformaram em clientela especial, facilmente seduzidos pelos empréstimos consignados.
Mas por que os idosos acabam sendo incômodos para os parentes e a sociedade? Hoje, ao contrário do que acontecia no passado, toda a família trabalha, fruto da revolução ocorrida na segunda metade do século XX. Ninguém, portanto, está disposto a abrir mão da carreira profissional para cuidar de idosos em casa, principalmente se são doentes. Ou eles ficam sozinhos, sujeitos aos riscos inerentes à idade avançada, ou acabam na mão de enfermeiros, cuidadores ou em casas de repouso. Ali, de certa forma, filhos ou netos tiram um peso da consciência. Compram a liberdade de prosseguir nas suas carreiras, com uma mensalidade que terceiriza os cuidados com o idoso. Opção aceitável, não fosse a solidão o resultado perverso desse exílio compulsório a quem dedicou toda a vida à família e ao trabalho.
Ignorados em casa, nos asilos as visitas se tornam raras. Os laços familiares, hoje, muito tênues, acabam definhando com a distância. A figura do avós ou bisavós não tem hoje a força do passado nas relações de parentesco.
Assim, embora os idosos brasileiros não precisem subir a montanha aos 70 anos, muito antes alguns deles já foram escanteados pela família e a sociedade. É preciso que o país se prepare, pois nos próximos anos a população com mais de 60 anos ultrapassará a de jovens. Então, a balada de Narayama, de uma alegoria genial do cineasta japonês, poderá se transformar numa dura realidade brasileira.
João José Forni
Jornalista, Consultor de Comunicação e Editor do site www.comunicacaoecrise.com
Jornalista, Consultor de Comunicação e Editor do site www.comunicacaoecrise.com
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