O PAPA E O LAICISMO
Nothing to kill or die for,
no religion too. (John
Lennon)
Andou muito
bem o papa Bento XVI, em sua recente visita ao Oriente Médio, pedindo se
respeite, ali, a liberdade religiosa e defendendo o laicismo por ele adjetivado
como "saudável".
Por muito tempo, a Igreja condenou com veemência tanto a liberdade de crença quanto a laicidade da sociedade e do Estado. E não faz tanto tempo assim. Não precisamos retroceder à Idade Média e aos tempos em que vigorava, incontestavelmente soberana, a teocracia religiosa no Ocidente. Todo o século 19 e boa parte do há pouco findo século 20 serviram de cenário para uma tenaz luta da Santa Sé contra esses princípios, de origem secular. Em 1832, o papa Gregório XVI, na encíclica Mirari vos, chamava a liberdade de consciência de "pestilenta", denunciando que essa postulação do mundo liberal abriria caminho à perigosa introdução da "liberdade plena de opinião" e ao desenvolvimento das falsas religiões. Outra loucura, para ele, era a separação entre Estado e Igreja. Atrás disso, dizia, sobreviriam as maiores desgraças para as nações e para a fé. Essas mesmas ideias foram repetidas em sucessivas encíclicas de Pio IX e Pio X. O indiferentismo religioso, o laicismo, o relativismo em matéria de fé, o naturalismo e todas as liberdades de pensar, de crer ou deixar de crer, foram condenados com expressões arrasadoras, nas bulas e encíclicas papais do mundo moderno e contemporâneo. Na base dessas posições estava a ideia de que sem religião _ ou, mais precisamente, sem a única religião verdadeira _ não há moral, não há ética, não se sustenta uma sociedade saudável.
Por muito tempo, a Igreja condenou com veemência tanto a liberdade de crença quanto a laicidade da sociedade e do Estado. E não faz tanto tempo assim. Não precisamos retroceder à Idade Média e aos tempos em que vigorava, incontestavelmente soberana, a teocracia religiosa no Ocidente. Todo o século 19 e boa parte do há pouco findo século 20 serviram de cenário para uma tenaz luta da Santa Sé contra esses princípios, de origem secular. Em 1832, o papa Gregório XVI, na encíclica Mirari vos, chamava a liberdade de consciência de "pestilenta", denunciando que essa postulação do mundo liberal abriria caminho à perigosa introdução da "liberdade plena de opinião" e ao desenvolvimento das falsas religiões. Outra loucura, para ele, era a separação entre Estado e Igreja. Atrás disso, dizia, sobreviriam as maiores desgraças para as nações e para a fé. Essas mesmas ideias foram repetidas em sucessivas encíclicas de Pio IX e Pio X. O indiferentismo religioso, o laicismo, o relativismo em matéria de fé, o naturalismo e todas as liberdades de pensar, de crer ou deixar de crer, foram condenados com expressões arrasadoras, nas bulas e encíclicas papais do mundo moderno e contemporâneo. Na base dessas posições estava a ideia de que sem religião _ ou, mais precisamente, sem a única religião verdadeira _ não há moral, não há ética, não se sustenta uma sociedade saudável.
Acho que é a
primeira vez que um sumo pontífice romano, nesse sermão pronunciado no Líbano
(14/9/2012), agrega ao substantivo laicismo o adjetivo saudável. Mesmo deixando
espaço ao entendimento de que existem outras formas de laicismo condenáveis, ou
seja, aquelas que se ocupam de combater as crenças de cada um ficam expresso o
reconhecimento de que laicidade não é sinônimo de imoralidade. É quase o
reconhecimento explícito de que, com ou sem religião, há no ser humano uma
vocação natural para o bem, para a ética, para o justo, para o progresso.
Defendendo o pluralismo religioso, o Papa afina seu discurso com a modernidade.
Mais do que isso, acenando para a prática do laicismo, reconhece que onde
crenças religiosas se arvoram em juízes das atitudes humanas, descamba-se para
graves violações aos direitos humanos. Não é por outra razão que o
fundamentalismo religioso é o responsável, hoje, como o foi ao curso de toda a
História, por nossas mais cruéis tragédias.
O mundo fica
melhor na medida em que sua gestão política e social se liberta da tutela
religiosa. Isso não significa divorciar-se da espiritualidade ou rejeitá-la. Só
com o respeito ao pluralismo, às liberdades individuais e políticas, pode-se
desenvolver a genuína espiritualidade. O autêntico laicismo sempre é saudável
porque, sem combater crenças individuais, admite a existência de uma gama
infinita de formas de interpretar o divino e o humano, a consciência e o
universo, buscando, no conjunto de tudo, o sentido da vida.
Paradoxalmente, aqueles mesmos que, ainda ontem, rebelaram-se contra a vitória do laicismo sobre a ditadura da fé, reconhecem, agora, que só numa sociedade genuinamente laica há espaço para vicejarem e crescerem os verdadeiros valores do espírito. Sinal dos tempos! Bons sinais. Plenamente concordes com a sentença de Jesus de Nazaré, segundo quem "o espírito sopra onde quer". O que se pode ver é que, cada vez mais, espiritualidade passa a ser sinônimo de humanismo. Migra do inescrutável reinado do mistério e do dogma para o terreno aberto e democrático das experiências humanas contra cuja corrente, quase sempre, se posicionaram as castas sacerdotais. É a força do espírito livre, centelha divina presente no homem. A ela tudo, um dia se há de conformar. Inclusive as religiões, quando compreenderem que o verdadeiramente sagrado é o natural. Não o sobrenatural.
Paradoxalmente, aqueles mesmos que, ainda ontem, rebelaram-se contra a vitória do laicismo sobre a ditadura da fé, reconhecem, agora, que só numa sociedade genuinamente laica há espaço para vicejarem e crescerem os verdadeiros valores do espírito. Sinal dos tempos! Bons sinais. Plenamente concordes com a sentença de Jesus de Nazaré, segundo quem "o espírito sopra onde quer". O que se pode ver é que, cada vez mais, espiritualidade passa a ser sinônimo de humanismo. Migra do inescrutável reinado do mistério e do dogma para o terreno aberto e democrático das experiências humanas contra cuja corrente, quase sempre, se posicionaram as castas sacerdotais. É a força do espírito livre, centelha divina presente no homem. A ela tudo, um dia se há de conformar. Inclusive as religiões, quando compreenderem que o verdadeiramente sagrado é o natural. Não o sobrenatural.
*Advogado e jornalista, presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre
Fonte: Opinião ZH
http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2012/09/23/artigo-o-papa-e-o-laicismo/?topo=13%2C1%2C1%2C%2C%2C13#.UF-hhE7vgks.twitter
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