A NÁUSEA
11 de dezembro de 2012 | 2h 07
Arnaldo
Jabor - O Estado de S.Paulo
O grande
Cole Porter tem uma letra de música que diz: "Conflicting questions rise
around my brain/ Should I order cyanide or order champagne?"
("Questões conflitantes rondam minha cabeça/ devo pedir cianureto ou
champanha?")
Sinto-me
assim, como articulista. Para que escrever? Nada adianta, nada. E como meu
trabalho é ver o mal do mundo, um dia a depressão bate. A náusea - não a do
Sartre, mas a minha. Não aguento mais ver a cara do Lula, o homem que não sabe
de nada, talvez nem conheça a Rosemary, não aguento mais ver o Sarney mandando
no País, transformando-nos num grande "Maranhão", com o PT no bolso
do jaquetão de teflon, enquanto comunistas e fascistas discutem para ver quem é
mais de "esquerda" ou de "direita", com o Estado loteado
por pelegos sem emprego, não suporto a dúvida impotente dos tucanos sem
projeto; não dá mais para ouvir quantos campos de futebol foram destruídos por
mês nas queimadas da Amazônia, enquanto ecochatos correm nus na Europa, fazendo
ridículos protestos contra o efeito estufa; não aguento mais contar quantos
foram assassinados por dia, com secretários de segurança falando em
"forças-tarefas" diante de presídios que nem conseguem bloquear
celulares, não suporto a polêmica nacionalismo-pelego x liberalismo tucano,
tenho enjoo de vagabundos inúteis falando em "utopias", bispos
dizendo bobagens sobre economia, acadêmicos decepcionados com os 'cumpanheiros'
sindicalistas, mas secretamente fiéis à velha esquerda, que só pensa em acabar
com a mídia livre, tremo ao ver a República tratada no passado, nostalgias
masoquistas de tortura, indenizações para moleques, heranças malditas, ossadas
do Araguaia e nenhuma reforma no Estado paralítico e patrimonialista, não
tolero mais a falta de imaginação ideológica dos homens de bem, comparada com a
imaginação dos canalhas, o que nos leva à retórica de impossibilidades como
nosso destino fatal e vejo que a única coisa que acontece é que não acontece
nada, apesar dos bilhões em propaganda para acharmos que algo acontece. Odeio a
dúvida de Dilma, querendo fazer uma política modernizante, mas batendo cabeça
para o PT, esse partido peronista de direita.
Não aturo a dúvida ridícula que assola a reflexão política: paralisia x
voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura; deprimo quando vejo a
militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, balas perdidas sempre
acertando em crianças, imagens do Rio São Francisco com obras paradas e secas
sem fim, o trem-bala de bilhões atropelando escolas e hospitais falidos, filas
de doentes no SUS, caixas de banco abertas à dinamite, declarações de pobres
conformados com sua desgraça na TV; tenho engulhos ao ver a mísera liberdade
como produto de mercado, êxtases volúveis de 'descolados' dentro de um
chiqueirinho de irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, bundas
ambiciosas querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes
que suas donas, odeio recordes sexuais, próteses de silicone, pênis voadores,
sucesso sem trabalho, a troca do mérito pela fama, não suporto mais anúncio de
cerveja com louras burras, abomino mulheres divididas entre a 'piranhagem' e a
'peruice', repugnam-me os sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos de
ganso de manequim, notícias sobre quem come quem, horroriza-me sermos um bando
de patetas de consumo, rebolando em shoppings assaltados, enquanto os
homens-bomba explodem no Oriente e Ocidente, desovando cadáveres na Palestina e
em Ramos, ônibus em fogo no Jacarezinho e Heliópolis, a cara dos boçais do
Hamas querendo jogar Israel no mar e o repulsivo Bibi invadindo a Cisjordânia,
o assassino pescoçudo Assad eliminando o próprio povo, enquanto formigueiros de
fiéis bárbaros no Islã recitam o Alcorão com os rabos para
cima, xiitas sangrando, sunitas chorando, tudo no tão mal começado século 21,
século 8.º para eles ainda, não aguento ver que a pior violência é nosso
convívio cético com a violência, o mal banalizado e o bem como um charme
burguês, não quero mais ouvir falar de "globalização", enquanto
meninos miseráveis fazem malabarismo nos sinais de trânsito, cariocas de porre
falam de política e paulistas de porre falam de mercado, museus pós-modernos em
forma de retorcidos bombardeios em vez da leveza perdida de Niemeyer, espaços
culturais sem arte nenhuma para botar dentro, a não ser sinistras instalações
com sangue de porco ou latinhas de cocô de picaretas vestidos de
"contemporâneos", não aguento chuvas em São Paulo e desabamentos no
Rio, enquanto a Igreja Universal constrói templos de mármore com dinheiro
arrancado dos ignorantes sem pagar Imposto de Renda, festas de celebridades com
cascata de camarão, matéria paga com casais em bodas de prata, políticos se
defendendo de roubalheira falando em "honra ilibada", conselhos de
ética formado por ladrões, suplentes cabeludos e suplentes carecas ocultando os
crimes, anúncios de celulares que fazem de tudo, até "boquete"; dá-me
repulsa ver mulheres-bomba tirando foto com os filhinhos antes de explodir e
subir aos céus dos imbecis, odeio o prazer suicida com que falamos sem agir
sobre o derretimento das calotas polares, polêmicas sobre casamento gay,
racismo pedindo leis contra o racismo, odeio a pedofilia perdoada na Igreja,
vomito ao ver aquele rato do Irã falando que não houve Holocausto, cercados
pelas caras barbudas da boçal sabedoria de aiatolás, repugnam-me as bochechas
da Cristina Kirchner destruindo a Argentina, a barriga fascista do Chávez,
Maluf negando nossa existência, eternamente impune, confrange-me o papa rezando
contra a violência com seus olhinhos violentos, não suporto Cúpulas do G20
lamentando a miséria para nada, tenho medo de tudo, inclusive da minha
renitente depressão, estou de saco cheio de mim mesmo, desta minha
esperançazinha démodé e iluminista de articulista do "bem", impotente
diante do cinismo vencedor de criminosos políticos.
Daí, faço
minha a dúvida de Cole Porter: devo pedir ao garçom uma pílula de cianureto ou
uma "flute" de champagne rosé?
Comentários
Postar um comentário
Teu comentário é muito valioso. Se positivo será um estímulo, se negativo me permitirá aprimorar.