O Supremo pede desculpas?
Análise à luz dos casos Abdelmassih,
Strauss-Kahn e Pimenta Neves
http://jus.uol.com.br/revista/texto/19422
Publicado
em 06/2011
O sol
brilhou na janela de um luxuoso quarto, refletindo o azul de um mar tranqüilo
em algum lugar paradisíaco deste mundo afora. É nesse cenário onde,
provavelmente, o Dr. Roger Abdelmassih desperta para degustar o sabor delicioso
da liberdade a lhe provocar um imenso sorriso de satisfação, talvez na mesma
intensidade do gozo que fruía ao estuprar suas pacientes. Mas nada lhe deve dar
mais prazer do que rir do Judiciário, que o condenou a 278 anos de cadeia, mas
o deixou livre no tempo suficiente para fugir. A completar a total felicidade,
a Justiça desbloqueou seus bens, garantindo-lhe uma vida de prazeres sem fim.
Quando a prisão de Roger foi restabelecida, já era tarde. Por muito menos, não
foi assim nos Estados Unidos.
Dominique
Strauss-Kahn era o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. Estava em
Nova York preparando-se para retornar à França. Dominique deixa o hotel e se
dirige ao aeroporto. Embarca na primeira classe, pede um uísque. Ele não vai
degustar a bebida. Após 180 minutos em que havia deixado o hotel, Monsieur Strauss-Kahn é retirado do
avião, algemado e preso sob a acusação de ter molestado uma camareira. A
liberdade provisória lhe é concedida sob condições: 6 milhões de dólares em
garantias; empresa de segurança responsável em vigiá-lo; tornozeleira
eletrônica para acompanhar seus passos.
O Dr.
Roger foi condenado por crimes sexuais cometidos contra 39 pessoas
anestesiadas, indefesas. A não bastar o horror dessa história, na sua luxuosa
clínica de reprodução humana, o médico misturava material genético, de maneira
irresponsável e amoral, para alcançar a popularidade vinda do recorde de fertilizações.
O DNA dos pacientes se espalhou, sem lenço nem documento, nos corpos e almas
daquelas mulheres que, enlouquecidas de amor e esperança, lutavam pelo sonho de
ser mãe. Hoje, milhares de crianças, cujo nascimento se deu por intervenção do
especialista, têm dúvidas sobre quem são os seus pais biológicos. É um triste
momento para a nação ver como o poder público protege os filhos deste país.
A
história da humanidade mudou desde que os gritos da Revolução Francesa ecoaram
no mundo ocidental. Uma nova ordem emergiu, na qual o poder deve satisfações ao
cidadão. Se o Supremo revogou a liminar, ela fora concedida corretamente? A
Justiça falhou ao aplicar a lei tardiamente e sem eficácia? Cabe indenização
pelo mau funcionamento do serviço público? O Juiz que não desempenha
satisfatoriamente o seu trabalho pode ser afastado sem remuneração? O que
aconteceria a Dominique Strauss-Kahn se estivesse no Brasil? Qual seria o
destino de Abdelmassih se tivesse cometido, nos Estados Unidos, as barbaridades
que fez aqui? O valor da mulher brasileira é inferior à dignidade da americana?
O Judiciário deve dar explicações ao contribuinte que paga as altas contas de
sua manutenção?
No
recente julgamento do jornalista Pimenta Neves, a ministra Ellen Gracie disse
que era extremamente difícil explicar, no exterior, como um réu confesso de
assassinato estava solto havia 11 anos, aguardando o trânsito em julgado de sua
condenação. Mas não seria ao povo brasileiro que o Judiciário deveria dar
explicações? Parece que não. Numa inversão de valores, o Supremo se preocupa em
pedir desculpas apenas no estrangeiro; ao subserviente povo brasileiro cabe
apenas pagar a conta. Calado.
Autor
Procurador do Estado; professor da graduação e
pós-graduação do UNi-BH
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
ANDRADE,
Cássio Roberto dos Santos. O Supremo pede desculpas? Análise à luz dos casos Abdelmassih,
Strauss-Kahn e Pimenta Neves. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2919, 29 jun.
2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19422/o-supremo-pede-desculpas>. Acesso em: 1 jul.
2011.
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