NO CASO DO PARTIDO KASSAB, TRIBUNAL PODE DECIDIR CONTRA LEI
Por Walter
Fanganiello Maierovitch
No
momento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) examina o pedido de registro do
partido do prefeito paulistano Gilberto Kassab, eleito por José Serra (PSDB)
numa traição escancarada a Geraldo Alckmin, então concorrente pelo mesmo
partido do referido tucano.
A
questão principal diz respeito a um eventual atraso na decisão de modo a
impedir que o novo partido lance candidatos para as eleições de 2012: o PSD
precisa estar reconhecido um ano antes da eleição, diz a lei.
O
ministro presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, proclama que a culpa pelo
atraso não é do partido mas da Justiça. Assim, propõe uma solução excepcional,
contra a lei. Em outras palavras, uma solução de República Bananeira.
Como
se percebe, o Judiciário passa por um período de descrédito. Na sua história, o
Judiciário passou por momentos difíceis. Lembro da cassação, pela ditadura, dos
íntegros ministros Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, do Supremo
Tribunal Federal (STF). Ambos tiveram recentemente a memória desrespeitada pelo
ministro Eros Grau, que deu pela constitucionalidade da lei de autoanistia,
esta elaborada pelo regime militar para encobrir arbitrariedades e garantir
impunidade a autores e partícipes de assassinatos, torturas e terrorismo de
Estado.
Na
presente quadra, o Judiciário passa por outro tipo de dificuldade e decorre de
um processo de perda de credibilidade pela população. Isso pela ausência de
imparcialidade e pela falta de trato igualitário dos cidadãos perante a lei.
De
permeio, episódios desmoralizantes vieram a furo, como, por exemplo, a falsa
comunicação de crime feita pelo ministro Gilmar Mendes: afirmava ser vítima de
grampo e, com particular teatralidade, levantou suspeitas contra a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin).
O
sentimento de descrédito teve início quando, em decisão monocrática a
contrariar súmula do STF impeditiva de se pular o exame por instâncias
inferiores, o ministro Mendes concedeu, sem consultar o Plenário e num
diligenciar inusual, habeas corpus liberatório
a Daniel Dantas.
Pouco
depois, tornava-se público o conteúdo de uma interceptação telefônica realizada
com ordem judicial e a dar conta da preocupação de Dantas com os juízes de
primeira instância, uma vez que, perante tribunais superiores, teria a
impunidade garantida. Convém lembrar que a prisão cautelar de Dantas foi
imposta por juiz federal de primeiro grau em face da Operação Satiagraha.
Por
outro lado, não tardou para, em sede de habeas corpus, a
5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 3 votos contra 2, anular a
Operação Satiagraha e a sentença condenatória de Daniel Dantas por consumada
corrupção ativa. Para os ministros julgadores, exceção a Gilson Dipp e Laurita
Vaz, a participação de agentes da Abin, órgão oficial e subordinado à
Presidência da República, foi ilegal e contaminou toda a apuração.
Em
outras palavras, o acessório a caracterizar, no máximo, uma mera
irregularidade, valeu mais do que a prova-provada da corrupção: Daniel Dantas,
conforme uma enxurrada de provas e gravações feitas com o acompanhamento da
equipe da Rede Globo, procurou, por interpostos agentes, corromper policiais em
apurações na Satiagraha. Na casa de um dos enviados de Dantas, a Polícia
Federal apreendeu 1,1 milhão de reais.
Outra
decisão que abalou os pilares da credibilidade e da confiança popular no
Judiciário consistiu na anulação da Castelo de Areia, a envolver dirigentes da
construtora Camargo Corrêa. Por 3 votos a favor dos acusados e 1 contrário, o
STJ anulou todas as provas da operação. A tese é que as provas tinham origem em
denúncia anônima. O voto vencido explicitou que investigações, e não a denúncia
anônima, tinham motivado as interceptações. No mesmo sentido e anteriormente
manifestara-se de forma unânime o Tribunal Regional Federal de São Paulo
(TRF-SP).
Quando
ainda mal absorvidos pela sociedade civil os episódios acima mencionados, veio
à tona outro caso de estupor. Esse a envolver como figura principal Fernando
Sarney, filho do presidente do Senado. A 6ª Turma do STJ, sem que ministros
convocados pedissem vista dos autos após o voto do relator, anularam a chamada
Operação Boi Barrica.
Para
a Turma, a decisão judicial que havia autorizado a quebra de sigilos não tinha
sido suficientemente motivada. Isso tudo com desprezo ao relatório do Conselho
de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda: o relatório indicava
suspeita de lavagem de dinheiro por membros do clã Sarney e durante campanha
eleitoral de Roseane ao governo do Maranhão.
Nesse
caso, a verdade real foi desprezada por um garantismo baseado no subjetivismo
da suficiência, e o inquérito acabou reduzido a pó. Como num passe de mágica,
não existe mais nenhuma prova dos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de
dinheiro público e tráfico de influência.
De
lembrar, logo no início das apurações da Boi Barrica, a concessão de liminar
que proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de
noticiar fatos em apuração e relacionados a Fernando Sarney. O desembargador
censor foi posteriormente reconhecido como suspeito de parcialidade por
vínculos com o senador Sarney.
Num pano rápido
Em
nome de um falso garantismo poderemos ter anulações a beneficiar o
ex-governador José Roberto Arruda (Operação Caixa de Pandora), os envolvidos em
desvios de recursos do Ministério do Turismo (Operação Voucher) e em
superfaturamentos de obras do Ministério de Minas e Energias (Operação
Navalha). No imaginário popular, ao que parece, a deusa grega da Justiça,
Têmis, cedeu lugar ao deus romano Janus bifronte. Das suas duas caras, uma
garantiria a saída pela porta da impunidade a poderosos e potentes.
–Wálter
Fanganiello Maierovitch–
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