A ARTE DE LER E DE PENSAR

                                                               José Maurício Guimarães
A longo prazo, qual pode ser o efeito sobre a capacidade das pessoas de lerem para buscar não apenas informação, mas sabedoria e autoconhecimento? O crítico literário Harold Bloom, em entrevista concedida a Flávio Moura na Revista Veja (31/01/2001) falou sobre assunto. Essa entrevista foi há 10 anos e, pelo visto, tudo continua na mesma, senão pior. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a televisão, o cinema, os videogames, e os computadores destruíram o hábito de ler. Por que se dar ao trabalho de ler e raciocinar com a própria cabeça se as redes de televisão já oferecem comida mastigada? Como tornar-se uma pessoa útil ao progresso se as escolhas e o voto são conduzido pelos interesses da mídia? Pense nisso. A música que você escuta foi escolhida por você ou pelos programas do domingão? Você ouve o som que tem tudo a ver com seu discernimento ou o fundo musical de sua vida são as mesmos musicas das novelas plim-plim? Aquele deputado horrível chegou ao Congresso Nacional através de eleitores conscientes ou fantoches puxados pelo cabresto da telinha? Você lê, ou ouvi dizer? Já esqueceu?

Por que ler é importante?

Segundo Harold Bloom, "a informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores da literatura. Esse é o primeiro motivo por que devemos ler. O segundo motivo é que todo bom pensamento, como já diziam os filósofos e os psicólogos, depende da memória. Não é possível pensar sem lembrar – e são os livros que ainda preservam a maior parte de nossa herança cultural. Finalmente, e este motivo está relacionado ao anterior, uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. E ninguém faz isso sem ler." Por outro lado, Bloom alerta: "Se você tenta ser independente, se não adere a nenhum tipo de moda, se fala honestamente e emite opiniões próprias, se recusa ideologias, inevitavelmente será atacado. O mundo tenta castigar os que não se conformam."

Fecho aspas e comento.

O Brasil (temos que reconhecer esse fato) tornou-se plenamente informatizado antes de ser satisfatoriamente alfabetizado. Qualquer pessoa "mexe" nos computadores, faz complexas operações bancárias em caixas eletrônicos e manipula um iPod, um iPad, iPud, iPed, iPid. Mas, se você colocar um livro, por mais elementar que seja - um romance básico, por exemplo - nas mãos de 100 dessas pessoas, verão que 90 não saberão o que fazer com aquilo: - Que bicho é este?! Não estou inventando nada, nem exagerando. Sei que, após o envio desse pequeno artigo, um bando de indignados voltarão armas contra mim - serei atacado com xingamento, bloqueio de e-mail, ataque da tropa-de-elite, conjuntivite, peritonite e cistite. Não faz mal, "tudo que acontece de ruim é prá melhorar a vida da gente", já dizia o sábio Dr. Pangloss. Quem foi Pangloss? não vou responder. Está nos livros... ou no google, que é o professor dos preguiçosos.

- Voltemos aos livros.

Se a situação atual é desanimadora, imaginem há 20 ou 30 anos atrás! Quase não se encontravam obras bem traduzidas. As edições eram quase todas meio mambembes, papel ruim, letras miúdas, erros de impressão, páginas e parágrafos truncados. Ainda assim havia aquele exército de estudiosos e novos leitores que puderam se beneficiar com uma boa educação, melhor em muitos aspectos ao internetismo das escolas do ensino fundamental de hoje. Por exemplo: ainda guardo comigo os velhos livros do antigo ginásio nos quais aprendi o francês. O volume da terceira e quarta séries ginasiais (que corresponde aos 7ª e 8ª séries do ensino fundamental) "Le Français au Gymnase" de Marcel Debrot - Editora do Brasil S/A, 21ª edição (meu exemplar é numerado 003325) começa, na Première Leçon do Troisième Année (7ª série de hoje) com o texto "La vie à la campagne" de - ninguém mais, ninguém menos - que Jean-Jacques Rousseau, na íntegra! ("Sur le penchant de quelque agréable colline bien ombragée, j'aurais une petite maison rustique, une maison blanche avec des contrevents verts...") Os outros textos desse mesmo livrinho são de Jules Michelet, La Fontaine, La Bruyère, Montesquieu e outros. E... ainda tínhamos que estudar outras duas línguas: inglês e latim, nesse mesmo padrão: textos de George Eliot, Alfred Tennyson, Rudyard Kipling e as torturantes Catilinárias de Cicero ("... de te autem, Catilina, cum quiescunt, probant, cum patiuntur, decernunt, cum tacent..."). Sinto desapontar os jovens de hoje... mas era assim. Concordo que éramos autênticas antas noutras habilidades que hoje são corriqueiras. E a maioria de nossos colegas estudava só para não "tomar bomba" ou ficar para "segunda época" (perguntem aos seus pais e/ou avós o que é isso, pois não tem no google). Não obstante a bomba e a segunda época, uma reverência ao hábito de ler e a certeza de que o livro faz o livre permaneceu na consciência da minha geração.

Dica para os jovens:

Sou um entusiasta da moderna tecnologia: lido com o computador numa nice... a informática e internet com a maior facilidade. Véio, conheço profundamente os programas de som e áudio digitais assim como editores de texto. Estou sempre atualizado e, quando me aperto, procuro orientação com a rapaziada sobre o que existe de mais atualizado em software e hardware. Aplaudo essa turminha que vem chegando soft e hard - os matrix de ambos os portais. Mas, aconselho também - ou melhor: dou umas dicas:

- Não permitam que a televisão, o cinema, o videogame e os computadores substituam a boa leitura dos livros tradicionais. Nada contra o google, mas procurem desenvolver a memória ao máximo, pois não é possível pensar sem lembrar. E sejam independentes, não abracem qualquer tipo de moda sem pensar e antes de terem plena consciência do que estão fazendo. Cuidado com o vírus e o trojan da rede e das esquinas! Falem com honestidade, pois todo tipo de mentira e falsidade já foi usado pelas gerações anteriores; não há nenhum mérito em repeti-las. Criem suas novas versões do mundo, desenvolvam opiniões próprias - não por teimosia, capricho ou espírito de contradição - mas para que sejam felizes e haja progresso no mundo. Isso é ser Livre e amigo do Livro.
Fonte: http://www.zmauricio.blogspot.com/

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