PORQUE A ÉTICA É IMPORTANTE
Por Stephen Kanitz
Antigamente, moral e ética eram transmitidas às novas gerações
pelas classes dominantes, pela aristocracia, pelos intelectuais, escritores e
artistas.
Era uma época em que os nobres eram nobres, exemplos a ser
seguidos por todos.
Hoje, isso mudou.
Nossas lideranças políticas, acadêmicas e empresariais não são
mais "nobres", nem se preocupam em transmitir valores morais às
futuras gerações.
Nossa televisão só pensa em lucro, seus donos não têm nenhuma
preocupação em ser respeitados pelos seus pares.
Não existe mais o noblesse oblige, a obrigação dos nobres, como
antigamente.
Poetas brasileiros até enaltecem os nossos "heróis sem
caráter".
Hoje, quem quiser adquirir valores morais e éticos neste
mundo "moderno" terá de aprender as regras sozinho.
Portanto, para não perder mais tempo, vamos começar com a primeira
lição.
Vou mostrar a importância de criar um código de ética com um
exemplo real. Um estudo de caso.
Vou romancear os personagens para os proteger, mas a história é
verdadeira.
Um amigo de infância, o Zeca, casou-se com a garota mais linda de
nossa turma.
Que para piorar a situação tinha uma irmã mais nova e ainda mais
bonita de 16 anos.
Nosso comentário na época era que ele estava casando com a irmã
errada, mas no fundo estávamos todos morrendo de inveja.
Após dois anos de casado, o Zeca acabou transando com a linda
cunhada.
E óbvio foi prontamente descoberto pela esposa.
Foi o escândalo da cidade. Só falamos disso por seis meses.
Ele se desculpou todo envergonhado dizendo: "Não sei o que passou
pela minha cabeça, ela simplesmente se entregou".
Fato mais comum do que se imagina, fruto de uma rivalidade não
resolvida entre belas irmãs.
Muitos anos depois, cada vez que encontrávamos o Zeca tentávamos
disfarçar nosso sorriso malicioso.
Mesmo vinte anos se passando, toda vez que eu o encontro, a
primeira imagem que me vem à mente é:
"Lá
vem o Zeca, aquele que transou com a cunhada".
Eu sei que Isso é totalmente injusto de minha parte, afinal seu
crime não durou mais que meia hora, e ele nunca voltou a repeti-lo.
Já sofreu e pagou seu pecado, se separou, perdeu metade do seu
patrimônio e mesmo assim, vinte anos depois, nós ainda o estávamos condenando.
Pelas leis brasileiras, ele já teria cumprido uma pena, seria
perdoado e ponto final.
Esta é a diferença entre leis e ética. Ética não tem ponto final.
Ética não tem perdão, nem cumprimento de pena. Transgredir a ética é uma mancha
para sempre. Um horror!
Por isso as gerações mais velhas criam uma moral e uma ética, uma
religião, uma filosofia de vida.
Para ser transmitida às novas gerações para que elas não façam
besteiras que possam marcá-las para o resto da vida.
Transgredir a moral e a ética de sua comunidade traz penas bem
mais severas que transgredir as leis de seu país.
Agora, ter uma religião e não seguir os preceitos que ela advoga,
algo que ocorre com frequência, é o pior dos dois mundos: aí você não procura
uma ética melhor que o satisfaça nem segue a ética determinada por sua
religião.
Só o caso termina ainda pior. Na semana passada ligou um amigo de
meu filho e anotei o recado:
–O
Alfredo, filho do Zeca, te ligou.
– O Zeca, aquele que papou a cunhada? – disse meu filho com um
sorriso malicioso.
Acho que ninguém de nossa turma tem hoje inveja do Zeca.
Ele não somente pagou o preço, mas esse preço vai ser pago agora
por seus filhos, netos e talvez bisnetos.
Posso até imaginar daqui a trinta anos um comentário desses:
Aquele não é o neto do Zeca, aquele que foi pego na cama com a
cunhada?
Os filhos, netos e bisnetos de nossos políticos, homens públicos,
líderes e artistas que romperam com a ética terão de conviver com o eterno
tititi sobre seus pais e nunca saberão dos comentários ditos pelas costas.
Se você tem uma religião e não a pratica, se você odeia as
pregações de moralidade que seus pais lhe impõem, isso não o exime de procurar
um sistema de referência melhor para sua vida, seja uma outra religião, seja
uma conduta filosófica, seja um simples livro de auto ajuda.
As consequências podem ser muito mais severas que as leis impostas
pelo Estado, como descobriu meu querido amigo Zeca, aquele que transou com a
cunhada.
Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)
Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1733, ano 35, nº1, 9 de
Janeiro de 2002.
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