VERANEIO NO RIO GRANDE DO SUL
Não sei se vocês,
de outros Estados, sabem, mas temos o mais fantástico litoral do País: de
Torres ao Chuí, uma linha reta, sem enseadas, baias, morros, reentrâncias ou
recortes. Nada!
Apenas uma linha
reta, areia de um lado, o mar do outro.
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Torres, aliás, é um equívoco geográfico,
contrário às nossas raízes farroupilhas e devia estar em Santa Catarina.
Característica nossa, não gostamos de
intermediários.
Nosso veraneio consiste em pisar na
areia, entrar no mar, sair do mar e pisar na areia.
Nada de vistas deslumbrantes, vegetações
verdejantes, montanhas e falésias, prainhas paradisíacas e outras frescuras
cultivadas aí para cima.
O mar gaúcho não é verde, não é azul,
não é turquesa.
É marrom!
Cor de barro iodado, é excelente para a
saúde e para a pele! E nossas ondas são constantes, nem pequenas nem gigantes,
não servem para pegar jacaré ou furar onda. O
solo do nosso mar é escorregadio, irregular, rico em buracos. Quem entra nele
tem que se garantir.
Não vou falar em inconvenientes como as
estradas engarrafadas, balneários hiper-lotados, supermercados abarrotados,
falta de produtos, buzinaços de manhã de tarde e de noite, areia fervendo,
crianças berrando, ruas esburacadas, tempestades e pele ardendo, porque
protetor solar é coisa de fresco e em praia de gaúcho não tem sombra. Nem nos
dias de chuva, quase sempre nos fins-de-semana, provocando o alegre,
intermitente, reincidente e recorrente coaxar dos sapos e assustadoras revoadas
de mariposas.
Dois ventos predominam, em nosso
veraneio: o nordeste – também chamado de nordestão – e o sul, cuja origem é a
Antártida.
O nordestão é vento com grife e
estilo.... estilo vendaval.
Chega levantando areia fina que bate em
nosso corpo como milhões de mosquitos a nos pinicar. Quem entra no mar, ao sair
rapidamente se transforma no – como chamamos com bom-humor – veranista à
milanesa. A propósito, provoca um fenômeno único no universo, fazendo com que o
oceano se coloque em posição diagonal à areia: você entra na água bem aqui e
quando sai, está a quase um quilômetro para sul. Essa distância é variável,
relativa ao tempo que você permanecer dentro da água.
Outra coisa: nosso mar é pra
macho!
Água gelada, vai congelando seus pés e
termina nos cabelos. Se você prefere sofrer tudo de uma vez, mergulhe e
erga-se, sabendo que nos próximos quinze minutos sua respiração voltará ao
normal: é o tempo que leva para recuperar-se do choque térmico..
Noventa por cento do nosso veraneio é
agraciado pelo nordestão que, entre outras coisas, promove uma atividade
esportiva praiana, inusitada e exclusiva do Sul: Caça ao guardassol.
Guardassol, você sabe, é o antigo guarda-sol, espécie de guarda-chuva de lona,
colorida de amarelo, verde, vermelho, cores de verão, enfim, cujo cabo tem uma
ponta que você enterra na areia e depois senta embaixo, em pequenas cadeiras de
alumínio que não agüentam seu peso e se enterram na areia.
Chega o nordestão e... lá se vai o
guarda-sol, voando alegremente pela orla e você correndo atrás. Ganha quem
consegue pegá-lo antes de ele se cravar na perna de alguém ou desmanchar o
castelo de areia que, há três horas, você está construindo com seu filho de
cinco anos.
O vento sul, por sua vez, é menos
espalhafatoso. Se você for para a praia de sobretudo, cachecol e meias de lã,
mal perceberá que ele está soprando. É o vento ideal para se comprar milho
verde e deixar a água fervente escorrer em suas mãos, para aquecê-las.
Raramente, mas acontece, somos brindados
com o vento leste, aquele que vem diretamente do mar para a terra. Aqui no Sul,
chamamos o vento leste de ‘vento cultural’, porque quando ele sopra,
apreendemos cientificamente como se sentem os camarões cozinhados ao bafo.
E, em todos os veraneios, acontece
aquele dia perfeito: nenhum vento, mar tranquilo e transparente, o comentário
geral é: “foi um dia de Santa Catarina, de Maceió, de Salvador” e outras
bichices. Esse dia perfeito quase sempre acontece no meio da semana, quando
quase ninguém está lá para aproveitar. Mas fala-se dele pelo resto do veraneio,
pelo resto do ano, até o próximo verão.
Morram de inveja, esta é outra das
coisas de gaúcho!
Atenta a essas questões, nossa indústria
da construção civil, conhecida mundialmente por suas soluções criativas e
inéditas, inventou um sistema maravilhoso que nos permite veranear no litoral a
uma distância não inferior a quinhentos metros da areia e, na maioria dos
casos, jamais ver o mar: os famosos condomínios fechados.
A coisa funciona assim: a construtora
adquire uma imensa área de terra (areia), em geral a preço barato porque fica
longe do mar, cerca tudo com um muro e, mal começa a primavera, gasta milhares
de reais em anúncios na mídia, comunicando que, finalmente agora você tem ao
seu dispor o melhor estilo de veranear na praia: longe dela. Oferece terrenos
de ponta a ponta, quanto mais longe da praia, mais caro é o terreno. Você vai
lá e compra um.
Enquanto isso a construtora urbaniza o
lugar: faz ruas, obras de saneamento, hidráulica, elétrica, salão de festas
comunitário, piscina comunitária com águas térmicas, jardins e até lagos e
lagoas artificiais onde coloca peixes para você pescar. Sem falar no ginásio de
esportes, quadras de tênis, futebol, futebol-sete, se o lago for grande, uma
lancha e um professor para você esquiar na água e todos os demais confortos de
um condomínio fechado de Porto Alegre, além de um sistema de segurança quase,
repito, quase invulnerável.
Feliz proprietário de um terreno, você
agora tem que construir sua casa, obedecendo é claro ao plano-diretor do
condomínio que abrange desde a altura do imóvel até o seu estilo.
O que fazemos nós, gaúchos, diante dessa
fabulosa novidade? Aderimos, é claro.
Construímos as nossas casas que, de modo
algum, podem ser inferiores às dos vizinhos, colocamos piscinas térmicas nos
nossos terrenos para não precisar usar a comunitária, mobiliamos e equipamos a
casa com o que tem de melhor, sobretudo na questão da tecnologia: internet, TV
à cabo, plasma ou LCD, linhas telefônicas, enfim, veraneamos no litoral como se
não tivéssemos saído da nossa casa na cidade.
Nossos veraneios costumam começar aí
pela metade de janeiro e terminar aí pela metade de fevereiro, depende de
quando cai o Carnaval. Somos um povo trabalhador, não costumamos ficar parados
nas nossas praias.
Vamos para lá nas sextas-feiras de tarde
e voltamos de lá nos domingos à noite. Quase todos na mesma hora, ida e volta.
É assim que, na sexta-feira, pelas
quatro ou cinco da tarde, entramos no engarrafamento. Chegamos ao nosso
condomínio lá pelas nove ou dez da noite. Usufruímos nosso novo estilo de
veranear no sábado – manhã, tarde e noite – e no domingo, quando fechamos a
casa.
Adoramos o trabalhão que dá para abrir,
arrumar e prover a casa na sexta de noite, e o mesmo trabalhão que dá no
domingo de noite.
E nem vou contar quando, ao chegarmos, a
geladeira estragou, o sistema elétrico pifou ou a empregada contratada para o
fim-de-semana não veio.
Temos, aqui no Sul, uma expressão
regional que vou revelar ao resto do mundo:
- Graças a Deus que terminou esta bosta de veraneio!
Repassado
por e-mail por meu amigo C. Fernando R Santos com o seguinte
comentário:
“Não sou um apreciador do nosso litoral, mas o
autor deste texto consegue externar
parte
das minhas restrições e repugnância de forma muito clara e bem humorada. Boa
leitura
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