A Criminalização da Massa Crítica: mais uma tentativa de desmobilização dos movimentos sociais no Brasil
Por Marcelo Sgarbossa
Temos acompanhado atentamente
a tentativa de algumas redes de comunicação do Estado de criminalizar o
movimento Massa Crítica de Porto Alegre.
Desde que o Ministério
Público, a pedido da Empresa Pública de Trânsito e Circulação (EPTC), abriu
inquérito civil para investigar “possíveis irregularidades na ordem
urbanística” (trancamento de ruas pelos participantes para a sua passagem) com
base em vídeos registrados das câmeras de segurança espalhadas pelas ruas da
capital, várias manchetes têm sido veiculadas com o objetivo de criar um
conflito entre os ciclistas e a população.
Para quem não sabe, Massa
Crítica ou Critical Mass é uma celebração da bicicleta como meio de
transporte, que acontece toda a última sexta-feira do mês, reunindo dezenas,
centenas ou até milhares de ciclistas para ocupar seu espaço nas ruas e criar
um contraponto aos meios mais estabelecidos de transporte urbano.
Por sua vez, criminalizar é
tipificar a prática como um delito penal, enquadrando-a como uma ação contrária
às regras sociais e jurídicas perfeitamente passível de penalização.
Frisamos que não é de hoje que
o movimento social brasileiro é tratado como caso de polícia pelos governos e
por uma boa parte da imprensa. Percebe-se que, mesmo após vinte e sete anos da
abertura democrática e vigência dos direitos fundamentais, ainda convivemos com
resquícios herdados dos tempos do regime de exceção.
Nas últimas décadas foi construído
no imaginário comum que, todos aqueles que não seguem um padrão de conduta
imposto pelo sistema, são contrários a ele. No fundo é isso: quem se manifesta
e se mobiliza é considerado agressor, baderneiro, fora da lei e estereotipado
como violento.
Trata-se de uma tentativa de
desqualificar os atores e sujeitos populares, domesticando-os e intimidando-os.
Recordamos, como exemplo recente, o Secretário Municipal que, em setembro
passado, dirigiu-se aos ciclistas e cicloativistas que protestavam no Largo
Glênio Peres como “pessoas menos qualificadas”.
Vale dizer que o movimento
social sempre cumpriu um papel importantíssimo na história do país,
impulsionando debates importantes com vistas a reconhecer direitos e garantias
no Brasil. Podemos citar, como exemplo, o Movimento dos Sem Terra (MST) que foi
criminalizado por suas ações contra o latifúndio improdutivo e pela luta na
aplicação do princípio da função social da propriedade. O Magistério Estadual e
o CPERS também sofreram processos de repressão e criminalização por parte do
Governo Estadual anterior por pleitearem melhores condições de trabalho e
reajuste salarial. E o que dizer da luta pela legalidade da Marcha da Maconha
que, após intenso debate, somente foi autorizada após julgamento na ADPF 187 no
Supremo Tribunal Federal?
Trata-se de apenas alguns
casos recentes de criminalização dos movimentos sociais, mas poderíamos citar
inúmeros outros.
Esses movimentos sociais,
distintos em seus objetivos, mas próximos em suas causas, procuram expor as suas
lutas retirando-as da invisibilidade para promover o debate.
Esse é o mérito de um Estado
Democrático de Direito. Basta lembrar o pedido feito publicamente pelo
sociólogo Boaventura de Souza Santos, na Assembléia Legislativa, no 10º Forum
Social Mundial de Porto Alegre para que o Ministério Público arquivasse todas
as ações civis públicas ajuizadas para proibir as marchas sociais e buscar o
fechamento das escolas itinerantes do Movimento Sem Terra (MST). Boaventura
justificou que é o debate que fortalece a democracia e produz a transformação
social.
Para termos uma idéia, a
Revista Time, considerada uma das mais influentes do mundo, todos os
anos, desde 1927, elege a pessoa do ano e lhe dedica a sua capa. Curiosamente
em 2011, a pessoa do ano escolhida foi: “The protester: from the arab
spring, to athens, from ocuppy Wall Street, to Moscow” (O Protestador: da
Primavera Árabe para Atenas, de Ocupe Wall Street a Moscou), ou seja, aquele
que contesta e protesta para buscar democracia, consolidá-la ou reforçá-la.
A Massa Crítica pode ser
considerada, mesmo que indiretamente, como uma das premiadas pela revista
americana, até pelo seu tom protestador e contestador que têm causado
verdadeira aflição a alguns Políticos Municipais.
Enfim, pode-se dizer que a Massa
Crítica de Porto Alegre tem cumprido esse papel protestador de não apenas
celebrar a bicicleta como meio de transporte, mas também de debater e provocar
a discussão sobre a completa ausência de políticas públicas de mobilidade
urbana na cidade.
Por falar nisso, em vez de
tentar criminalizar os participantes do Massa Crítica tentando tipificá-los na
prática de violação à ordem urbanística, a Prefeitura Municipal e a EPTC bem
que poderiam cumprir a Lei Complementar 626, de 15 de julho de 2009 (Plano Diretor
Cicloviário Integrado de Porto Alegre) que destina – ou melhor, deveria, mas
não o faz – anualmente, no mínimo 20% (vinte por cento) do montante
financeiro arrecadado com multas de trânsito para a construção de ciclovias e
aplicação em Programas Educativos.
Qual a diferença entre a Massa
Critica e a Prefeitura Municipal?
Afinal, as leis não devem ser
cumpridas por todos. Pois bem. Então, cumpram-se as leis doam a quem doer.
Cristiano Lange
dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de
Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo.
Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais –
LAPPUS.
Marcelo Sgarbossa
é advogado. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim
(Itália) e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e Diretor-Geral
do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Fonte: http://sul21.com.br/jornal/2012/01/a-criminalizacao-da-massa-critica-mais-uma-tentativa-de-desmobilizacao-dos-movimentos-sociais-no-brasil/
Desconheço detalhes da destinação de recursos oriundos de multas de trânsito em nossa Capital. Por outro lado entendo que o caminho à obtenção do respeito e cumprimento das leis de parte dos podres constituídos é a pressão política legítima sobre não somente o Executivo com especialmente sobre o Legislativo cuja obrigação maior e principal é a de FISCALIZA R ao Executivo. Sendo ruas, alamedas, avenidas e mesmo rodovias bens públicos de uso comum do povo, não podem estas sofrer obstrução de quem quer que seja senão do poder público quando necessário. Por que provocar os condutores dos outros veículos, os automotores e não cabe a estes a inversão em obras de ciclovias que entendemos necessárias?
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