O RESPEITO PELOS ANIMAIS
O respeito pelos bichos
Nem todos
os cientistas têm a visão behaviorista que acredita que os animais,
principalmente os cães, sejam, simplesmente, máquinas impessoais de balançar
o rabo, ou de colocá-lo entre as pernas, processando estímulos de respostas
indiferentes.
Para
Descartes, que fez o homem senhor e proprietário da natureza, o animal não
passa de uma máquina animada. Seu gemer significa apenas o ranger de um
mecanismo que funciona mal, igual a roda de um carro com a pastilha de freio
desgastada, de uma peça mal lubrificada.
O homem é verdadeiramente bom, puro e livre
quando respeita os que são mais fracos. Porém, a crença de que herdou sua
superioridade por força do "o poder divino”, produz nele o maior desvio
de conduta. Apesar de escrito no começo do Gênese que Deus criou o homem para
reinar sobre todas as espécies, nada garante que Ele assim o desejasse. É bem
provável que o homem tenha inventado esse topo da hierarquia, usando-se de
Deus para santificar o poder, conquistando o direito de matar com requintes de
crueldade ou de maltratar os seres “inferiores” pelo abandono, pelo uso do
sedém, da marretada, do uso do cambão, da agulha maldita; pela insanidade que
mantém o lixo cultural das touradas ou da farra do boi; pelas práticas
criminosas dos que vivem do tráfico de animais silvestres, que para torná-los
calmos, deixam-nos presos, sem água, comida e até sem ar, num mercado que
mescla ganância e crueldade, a amostragem miserável da raça humana; enfim,
pelos sapos, cobras, lagartos e pássaros, dentre outros bichos, que viram
carvão nas queimadas de cana e de incêndios criminosos.
A visão do Gênese mudaria completamente com a
presença de um visitante de outro planeta, vindo com a ordem superior para
reinar sobre as criaturas da Terra. Pense no homem atrelado à uma carroça de
um marciano reciclador, muitas vezes sem comer e beber o dia todo? Antes de
ser grelhado por este visitante, com certeza ia refletir sobre a carne de
vitela que tinha o hábito de comer; do leitão à pururuca, com uma maçã na
boca. Ah, correria rapidamente pedir desculpas à vaca de Descartes.
Para
entrar no reino encantado do mundo animal é preciso “ler”, através dos olhos
serenos de um cão, de um gato ou cavalo e sentir que demonstram paz, no meio
onde muitos se sentem insatisfeitos, infelizes, autênticos consumidores de
barbitúricos e de diazepans. Basta o convívio diário com os bichinhos para
perceber que possuem reações inesperadas, que planejam, enganam e revelam
pensamentos que vão além do instinto, sugerindo consciência, emoção e amor,
coisas raras nos dias de hoje. No Egito antigo o gato era considerado
criatura divina, enquanto que aqui é maltratado, discriminado e rotulado de
ladrão.
Acariciar
um animal é agradável e descansa o espírito. Ajuda a desenvolver o lado
emocional, fazendo com que as pessoas ansiosas, insensíveis, arredias ou
agressivas interajam mais com o próximo. A docilidade natural dos animais
domesticados favorece as atividades de cunho emocional, servindo de modelo
pedagógico para ajudar no aprendizado de crianças especiais.
Para Milan
Kundera, em “Insustentável Leveza do Ser”, 1983, os cães
são o nosso elo com o paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o
descontentamento. Sentar-se com um pit bull ao pé de uma colina numa linda
tarde, é melhor que a companhia do Brad Pitt, sem ironia, para sair do tédio,
dos remédios. É voltar ao Éden e se envolver de paz.
Admiro o
gesto da polícia militar que trata seus auxiliares caninos com dignidade e
como heróis; o das sociedades protetoras que fazem, através de seus parcos recursos,
o possível para amenizar o problema de abandono e de maus-tratos; de todas as
organizações científicas que repudiam a nefasta prática da vivisseção.
Afinal, será que existe um ser que não goste de carinho e de respeito?
JOÃO O.
SALVADOR é biólogo do Cena
(Centro
de Energia Nuclear na Agricultura) – USP (Universidade de São Paulo)
salvador@cena.usp.br
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