MICRO-COMPROMISSOS, UMA VIA PARA O ENTENDIMENTO NOS RELACIONAMENTOS
Miguel Lucas
A semana passada li num jornal diário Português,
que os casais discutem à volta de 352 vezes por ano, o que quer dizer
“praticamente” todos os dias. E na grande maioria dessas vezes por questões
domésticas e/ou sexuais. Não afirmo que seja exatamente assim, estatísticas são
apenas isso, expressam comportamentos de uma amostra da população. No entanto,
quer por experiência própria, quer por outros estudos que já li, assim como
conversas que venho tendo com amigos e com pacientes em consulta, a realidade
das relações entre casais que vivem juntos não deve fugir muito às
estatísticas.
Por esta razão os micro-compromissos podem ser
considerados uma boa estratégia como tentativa de minimizar as discussões entre
casais.
“O que é que queres para jantar? Pergunta o marido.
“Não sei, respondeu ela. O que é que queres?”
“Quer tal hambúrguer?”
“Não, eu não quero hambúrguer.”
“O que é que queres então?”
“Não sei bem, e se fosse massa.”
“Estou um pouco farto de massa. E se fosse Pizza?”
disse o marido.
“Eu apetece-me mesmo massa.”
TODOS NÓS FAZEMOS COMPROMISSOS PARA O BOM E/OU PARA
O MAU
Os problemas que minam os relacionamentos estão
quase sempre presentes desde o início. Estes são problemas típicos que
foram negligenciados ou conscientemente ignorados no calor da paixão, na
adrenalina da esperança e do desejo não se admitiu que interferissem no
estabelecimento da relação, mas que estavam esperando a paixão arrefecer, (o
que sempre acontece até certo ponto), para ressurgirem mais tarde como
possíveis barreiras para o relacionamento.
A natureza dessas questões é tão variada quanto as
próprias pessoas e inclui as diferenças de abordagem e atitude: dinheiro,
atividades de lazer, educação dos filhos (ou mesmo a possibilidade de ter
filhos), religião, educação, desejo sexual, organização do lar e preferência de
localização. Estas são grandes questões, as questões que se tornam mais claras
à medida que o relacionamento progride, muitas vezes levando à necessidade de
se optar por terapia de casal e, às vezes levando ao divórcio ou separação. Não
quero ser taxativo, certamente existirão outras incompatibilidades como
diferenças na personalidade e no comportamento, que podem condenar um
relacionamento, mas em situações em que ambos os parceiros estão emocionalmente
saudáveis, geralmente, estas “pequenas” questões são muitas vezes o que levam
ao desentendimento.
A
SEPARAÇÃO BANALIZOU-SE?
O divórcio está hoje tão banalizado, a percentagem
é tão elevada que já ninguém fica surpreendido quando um amigo lhe diz: “Olha
divorciei-me.” Este ato tornou-se tão banal, que já se aceita como uma “coisa”
do nosso dia-a-dia. Será que a nossa tolerância para os grandes compromissos
que todos nós fazemos na formação dos relacionamentos românticos diminui com
o passar do tempo? Será que o nível de tolerância das pessoas diminui
drasticamente? Estaremos todos nós mais egoístas? Será que já não conseguimos
fazer o exercício de nos colocarmos no ponto de vista do outro?
Também eu não tenho resposta para as questões que
coloquei. No entanto, acredito que milhares e milhares de pequenas concessões
estão contribuindo para os mal-entendidos entre os casais. Apelido esses
pequenos compromissos diários de: micro-compromissos. São compromissos tão pequenos que quase não
reparamos que os estamos fazendo, mas que, se estivéssemos sozinhos não os
estaríamos fazendo. Coisas como: desligar a luz que tínhamos deixado acesa, ir almoçar
neste restaurante em vez de outro, virar à esquerda nesta rua ao invés de ir em
frente e virar na próxima à esquerda, macarrão para o jantar ao invés de
hambúrgueres, e até mesmo o quase proverbial deixar (ou não) levantado o
assento do vaso sanitário quando vamos ao banheiro.
A
FORÇA DESTRUIDORA QUE OS MICRO-COMPROMISSOS PODEM TER!
A sua lista de coisas que provocam discórdia, ou
pelo contrário que necessita de micro-compromissos será diversificada
dependendo dos casos, mas certamente também você não lhes escapará! Estes tipos
de situações estão na origem de muitos problemas que atingem até
mesmo aqueles que ficam frustrados por eles serem ridiculamente pequenos.
Não se deixe enganar pela sua pequenez, eles têm a força destruidora capaz de
avassalar muitos relacionamentos. Parecem quase grãos de areia, dificilmente
perceptíveis à primeira vista, vão caindo nos relacionamentos pouco a pouco,
até que se começam a acumular construindo uma barreira que irá restringir
a nossa capacidade de movermo-nos livremente como desejamos, eventualmente
ameaçando a morte da relação.
MICRO-COMPROMISSOS,
UM PARADOXO BENÉFICO?
Pergunto-me, se não há para muitos de nós, um
efeito negativo de aumento gradual, que emerge de tornarmos estes compromissos
aparentemente insignificantes, para depois insidiosamente desgastar-nos a
capacidades de tolerar o nosso espaço pessoal com outra pessoa, talvez
até com o passar do tempo envenene a nossa habilidade para nos relacionarmos
positivamente com o nosso parceiro(a). O caricato é que os
micro-compromissos são paradoxais, se não os fizermos, a relação não terá
pernas para andar, se os fizermos, corremos o risco de eles se voltarem contra
nós, seja porque julgamos estar a ceder aos desígnios do outro, ou porque o
outro não cede com tanta freqüência como nós. Poderíamos dizer que é um pau de dois bicos. Certamente que o é.
Eu acho que quando isso acontece é porque esses
micro-compromissos restringem o nosso senso de liberdade. Embora nem todos
requeiram o mesmo grau de liberdade, todos nós exigimos certo senso de
autonomia. E porque não há duas pessoas que queiram exatamente a mesma
coisa ao mesmo tempo, quando você vive com outra pessoa no seu espaço pessoal
ou de compromisso ou de conflito, invariavelmente, isso acontece. Mesmo que um
parceiro consistentemente ceda as suas micro-necessidades para o outro, a
pessoa muitas vezes desenvolve um sentimento de ressentimento com o passar do
tempo, o que pode levar a uma explosão súbita, ou uma série de explosões, em
que o outro parceiro fica chocado ao saber da frustração para o qual eles
contribuíram de alguma forma.
A
SOLUÇÃO
Então,
o que é que podemos fazer para impedir que os micro-compromissos que todos nós
fazemos todos os dias, envenenem a nossa capacidade de nos relacionarmos
positivamente com os nossos parceiros e, preservar a saúde dos nossos
relacionamentos e, simultaneamente, preservar o nosso senso da elevada
importância de independência e liberdade para fazer o que queremos?
Deveremos levar em consideração que:
§ Ninguém
é absolutamente livre em todos os sentidos.
§ Liberdade
é sempre um termo relativo.
§ Nem
todas as coisas têm de ser necessariamente como nós queremos que sejam.
Mesmo nos países democráticos, em que temos
liberdade de opinião, a nossa liberdade está longe de ser absoluta. Eu não
posso bater em alguém só porque essa pessoa me irrita, pelo menos sem sofrer conseqüências. O simples
facto de termos qualquer tipo de relacionamento obriga-nos a alguma forma de
constrangimento, mesmo que seja apenas em relação ao tempo reservado para nós
mesmos, os nossos amigos e familiares ocupam sempre algum desse tempo. Poderíamos optar por viver numa ilha (mesmo
literalmente), mas rapidamente aprenderíamos da necessidade que temos para a interação
social e, o quão importante é para a nossa felicidade.
NÃO DESDENHE DAQUILO QUE ESCOLHEU PARA SI
Se conseguirmos reconhecer que algumas restrições à
nossa liberdade é o preço que pagamos por qualquer tipo de relacionamento que
temos, pode ajudar a silenciar a frustração dos micro-compromissos que esses
mesmos relacionamentos exigem. Lembre-se, foi você que escolheu a sua relação atual.
Se você entrar na relação com os olhos bem abertos (e isso é um grande se)
relembre-se disso quando você ficar frustrado com o acumular dos
micro-compromissos, isto pode ajudar a restaurar a perspectiva de
responsabilidade, e esta pode aliviar a frustração até determinado grau que
emerge dos micro-compromissos.
Olhe para os micro-compromissos como uma bênção.
Este simples fato muda a sua perspectiva, efetivando-se como uma estratégia
útil na luta contra a frustração em ter que fazer micro-compromissos, evitando
desta forma o acumular do ressentimento. Ao invés de sentir que tem de
se comprometer, você deve escolher olhar para cada micro-compromisso como um
pequeno presente que dá à outra pessoa, e
vice-versa. Importante, porém, é ter noção
da sua capacidade e/ou habilidade para recusar comprometer-se quando julga não
fazer sentido, permitindo assim manter a sua sensação de liberdade desejada. Ou
seja, é por esse motivo (quando assim o entende) que nem sempre se deve
comprometer.
CEDA
POR VONTADE PRÓPRIA
Os micro-compromissos estão diretamente
relacionados com micro-cedências que se fazem. Se você se compromete a fazer
algo, de certa forma está a ceder à vontade do outro (mas, de acordo com aquilo
que tenho vindo a explicar, essa cedência convém ser de forma intencional, por
vontade própria). Por exemplo, se o marido não quer fazer uma
micro-cedência a esposa pode satisfazer a sua necessidade, cedendo
à sua micro-necessidade, e o marido por sua vez reconhece a escolha da esposa
como um “presente” para ele. Se você conseguir olhar para as interações como a
do exemplo que dei, como pequenos “presentes” e/ou “mimos” promoverá a troca e
o envolvimento entre ambos (podendo até expressar da seguinte forma: “gosto
muito de fazer algumas coisas ao teu gosto”). Isto permite desenvolver uma
apreciação mútua, promovendo o orgulho que um tem pelo outro.
Tenho vindo a explicar que a chave para uma relação
saudável é o comprometimento, mas este nem sempre tem de ser numa relação de
50/50. Existem alturas em que um dos parceiros necessita de 100% das suas
necessidades satisfeitas, e o outro ter de comprometer-se completamente com
isso. A chave para um relacionamento saudável (ou pelo menos uma das
chaves importantes), será reconhecer que os micro-compromissos são bênçãos/mais
valias que necessitam ser trocadas, ao invés de exigências que precisam de ser
arrancadas à outra pessoa. Se ambos os
parceiros conseguirem abordar o seu relacionamento desta forma, quando
existir necessidade de se comprometerem com grande compromissos, é provável que
menos ressentimento possa estar presente para interferir no raciocínio,
promovendo uma clarificação e melhores decisões para ambos os parceiros.
No fim o casal comeu massa, mas a seguir, muitos
dias houve que comeram hambúrguer.
Não
hesite, para bem da sua relação comprometa-se, ceda e faça disso uma bênção.
Fonte: http://twixar.com/V82RY7sgZ3T
Comentários
Postar um comentário
Teu comentário é muito valioso. Se positivo será um estímulo, se negativo me permitirá aprimorar.