Vitão e os biodinâmicos contra os SUV e as bebidas transnacionais
Mauricio Tagliari
Muitos da minha geração, que como eu são ateus, tiveram sua formação intelectual pautada pela "santíssima trindade": Marx, Freud e Darwin. As ideias dos dois judeus e do cientista britânico permearam as leituras e definiram muitos dos interesses daqueles que, independentemente de militar em um partido, fazer análise ou ser biólogo, fizeram universidade antes da queda do Muro de Berlim e da ascensão dos cristãos criacionistas na América do Norte, e de evangélicos, no Brasil.
Uma de suas obras mais interessantes é O Mal-Estar da Civilização, que sai em nova tradução pela Companhia das Letras. Um livro com um título desses é irresistível. Só perde para os títulos dos filmes de Buñuel ( O Anjo Exterminador, Esse Obscuro Objeto de Desejo, O Fantasma da LIberdade, e a lista segue...).
No caso do álcool, já discutimos aqui, em outras ocasiões, a diferença de atitude no mundo latino-mediterrâneo versus o dos germânicos, anglo-saxões e até tupinambás. Enquanto os primeiros pregam a moderação (simposium era o momento de sorver vinho com água num debate em torno de um tema dado) e defendem o consumo do vinho como alimento, os "bárbaros" historicamente se embriagam.
A diferença é que o faziam de forma ritual, em comemorações comunais ou preparativos para a batalha, quando todo um grupo social se embebedava e ia dormir depois de uma caminhada, quando muito. Não se dirigiam Porsches ou Landrovers na madrugada.
Muitos da minha geração, que como eu são ateus, tiveram sua formação intelectual pautada pela "santíssima trindade": Marx, Freud e Darwin. As ideias dos dois judeus e do cientista britânico permearam as leituras e definiram muitos dos interesses daqueles que, independentemente de militar em um partido, fazer análise ou ser biólogo, fizeram universidade antes da queda do Muro de Berlim e da ascensão dos cristãos criacionistas na América do Norte, e de evangélicos, no Brasil.
Noves fora o delírio criacionista, Darwin segue como o único dos três
que permanece incontestável no Olimpo da ciência séria. Injustiça. Pode-se
discordar das propostas de Karl Marx, mas a cada dia sua análise sobre o
capitalismo merece mais atenção. As tais crises cíclicas não param de nos
"surpreender".
Freud é atacado como antiquado, a terapia analítica seria lenta e
ineficaz no mundo de hoje e o tratamento dos males psíquicos é cada vez mais
baseado no uso de drogas. Esquecem-se de que Freud também prescrevia o uso
drogas e esperava novas descobertas de terapias químicas no futuro. Uma de suas obras mais interessantes é O Mal-Estar da Civilização, que sai em nova tradução pela Companhia das Letras. Um livro com um título desses é irresistível. Só perde para os títulos dos filmes de Buñuel ( O Anjo Exterminador, Esse Obscuro Objeto de Desejo, O Fantasma da LIberdade, e a lista segue...).
Nesse seu texto, o velho Sig especula sobre as pulsões básicas da
humanidade: prazer e destruição. Eros e Tanatos. Curiosamente, o budismo (e
aqui o descrevo em poucas e resumidas palavras) localiza a infelicidade humana
na frustração de não se ter o que se deseja e a aversão ou o medo de ser
atingido por algo que não se quer. Consigo enxergar as conexões com a Seleção
Natural e a teoria de Marx. Mas o espaço é curto para demonstrar. Penso só no
título: O Mal-Estar da Civilização.
E por que falar disso numa coluna sobre bebidas? Não, este Mal-Estar não
é uma prosaica ressaca. É algo bem mais sério. O que querem dizer 156 mortes em
acidentes de trânsito por dia no Brasil (aproximadamente 6 por hora)? O que
significam 14 colisões com postes numa única madrugada de sábado, em São Paulo?
O que nos ensina a triste morte de Vitor Gurman, numa pacata rua da Vila
Madalena, o bairro mais boêmio da cidade?
Os números são escandalosos. Descrevem uma guerra. Mais uma das que o
brasileiro cordial e cruel se acostuma a travar sem nem perceber. O problema é
que estamos nas guerras erradas. Vivemos um momento de crescimento econômico e
ascensão de classes menos favorecidas. Mas são tantas as coisas visivelmente
deterioradas, tantos os sinais de valorização do que é supérfluo e vazio, seja
o sucesso do BBB, do culto à celebridade ou da erotização infantil ou ainda da baixa
qualidade da música popular de massas, que só me reforçam a certeza de que o
pior a acontecer neste país foi a desvalorização da educação.
Tantas leis, tantas propostas, Enem, etc. e no final temos uma massa sem
senso crítico e buscando somente diversão. Não sejamos hipócritas. Todos
queremos nos divertir. Mas a sociedade do espetáculo nos aliena. Engana e faz
pensar que estamos nos divertindo, quando na verdade estamos só consumindo.No caso do álcool, já discutimos aqui, em outras ocasiões, a diferença de atitude no mundo latino-mediterrâneo versus o dos germânicos, anglo-saxões e até tupinambás. Enquanto os primeiros pregam a moderação (simposium era o momento de sorver vinho com água num debate em torno de um tema dado) e defendem o consumo do vinho como alimento, os "bárbaros" historicamente se embriagam.
A diferença é que o faziam de forma ritual, em comemorações comunais ou preparativos para a batalha, quando todo um grupo social se embebedava e ia dormir depois de uma caminhada, quando muito. Não se dirigiam Porsches ou Landrovers na madrugada.
Mais perguntas: a Lei Seca faz sentido? Precisamos de tantos SUV
circulando no asfalto desta e de outras metrópoles? A propaganda de cerveja que
transmite a mensagem de que só bebendo tal marca você vive cercado de amigos e
gente bonita deve ser proibida? Ou toda propaganda de bebida deveria ser
proibida?
Pessoalmente sou contra proibições. Defendo uma educação etílica
dirigida ao consumo moderado e responsável. Mas quem vai ensinar? A escola não
ensina nem matemática ou português direito. As famílias também, em sua maioria,
não possuem o conhecimento necessário. Pais que não sabem beber também não
podem ensinar consumo etílico aos filhos.
Ao ler Freud, noto que ele nos aponta o instinto destrutivo vencendo
aqui. Marx, por sua vez, nos diria que a sociedade capitalista de consumo não
sustentável chegou num ponto em que a afluência gera uma alienação tal que
assume atitude autodestrutiva.
Minha crença é que o capitalismo e seus tentáculos midiáticos são responsáveis
diretos por esta situação. Coloco uma questão simples: quantos destes
acidentes, quando causados por alcoolizados foram após o consumo de vinhos,
cachaças ou cervejas artesanais? E quantos foram após o consumo de alguma
bebida produzida por uma mega empresa transnacional? Aposto que 100% usaram
bebidas industrializadas.
Quem consome bebida artesanal de qualidade não está em busca de fuga da
realidade e sim de autoconhecimento. Enquanto conglomerados empresariais
aumentam seus lucros e padronizam a qualidade de bebidas pelo mundo afora, os
produtores de vinho que buscam cada vez mais o cultivo orgânico ou biodinâmico,
o respeito ao meio ambiente e ao terroir são genuínos representantes do outro
lado da moeda.
Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical.
Sócio da ybmusic, escreve sobre música e bebidas no blog www.maisumgole.wordpress.com
e sobre música no http://ybmusica.blogspot.com.
É co-autor do Dicionário do Vinho Tagliari e Campos.
Fonte:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5282643-EI13996,00-Vitao+e+os+biodinamicos+contra+os+SUV+e+as+bebidas+transnacionais.html
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