Juízes encastelados, sem ouvir a voz das ruas
Por Átila Andrade de Castro.*
Após décadas de poder, alguns dos mais conhecidos tiranos do nosso tempo
foram expulsos de seus palácios situados no norte da África pela força do
movimento popular.
No Cairo, em Trípoli e em Túnis a população se deu conta de que não se
deve dar poder a quem não oferece contraprestação. Iniciaram com certa timidez
a revolução que ficou conhecida como primavera Árabe e o movimento foi tomando
corpo, forma e substância, atravessando fronteiras e mudando uma realidade que
parecia imutável.
Enquanto isso, encastelados em seus palácios, os ditadores de plantão
faziam ouvidos moucos à voz das ruas. Diziam que era conspiração de potências
ocidentais, que a suposta revolta não passava de movimentos isolados e que não
abririam mão do poder que consideravam legítimo.
Continuaram a fazer refeições em talheres de ouro, a viajar em aviões
particulares intercontinentais e a desfrutar de todo o luxo e conforto que
o poder proporciona.
Não ouviram o alerta. Não negociaram e nem se dispuseram a abrir mão de
privilégios e nem a oferecer serviços decentes aos seus "súditos". O
resultado todo mundo conhece. Foram todos banidos de suas fortalezas, expulsos,
presos e mortos.
Sob o título "O Poder Judiciário brasileiro e a primavera
árabe", o artigo a seguir é de autoria de Átila Andrade de Castro, Juiz de
Direito em Belo Horizonte.
Qual a semelhança de
tal momento histórico com o Judiciário brasileiro?
É visível a insatisfação de todos os segmentos da sociedade com a
justiça brasileira. O serviço é precário, ineficiente, artesanal, não oferece
segurança jurídica e é excessivamente aleatório, tanto em termos de conteúdo
decisório quanto em termos de procedimento, pois está sempre sujeito à
idiossincrasia do juiz que receber a causa. Junte-se a isso a absoluta falta de
investimentos de peso em tecnologia e em treinamento de servidores. O resultado
todo mundo conhece: justiça lenta, e, portanto, freqüentemente injusta - cara e
improdutiva.
A sociedade já percebeu a gravidade do problema. Não há país submetido a
padrões ocidentais de civilização que consiga crescer e progredir e nem
sociedade que se mantenha saudável com o serviço prestado pelo judiciário de
hoje.
Enquanto isso, onde estão os membros do poder, que poderiam e deveriam -
mudar este estado de coisas? Muitos estão em seus "castelos", lutando
por frações de poder, medalhas, privilégios e títulos. Não ouvem a voz das ruas
e nem se mostram permeáveis à crítica externa e às demandas sociais.
Pelo contrário, atribuem tudo isso a conspiradores anônimos e
silenciosos que desejam enfraquecer o poder. Também não admitem jamais abrir
mão de luxos que atualmente não se justificam, como duas férias anuais.
Chega-se ao absurdo de se promover silenciosamente uma disputa surda entre
juízes de segundo grau da justiça estadual e de segmentos da justiça federal
pelo “privilégio” de usar a denominação desembargador, como se o tratamento
dispensado ao juiz fosse lhe conferir sabedoria e garantir a prestação
jurisdicional célere que a população tanto deseja.
Também não se vê por parte de associações que representam os juízes
propostas de modernização, de incorporação de tecnologias, de simplificação e
otimização de procedimentos e rotinas de trabalho para atingir padrões mínimos
de qualidade e eficiência. Continuamos, como há séculos, reproduzindo modelos
de decisão e de termos audiência que já eram usados nos tempos da inquisição.
Enfim, fica muito claro que se a autocrítica não ocorrer e as mudanças
tão legítimas desejadas pela nossa sociedade não forem implementadas de dentro
para fora, virão certamente de fora para dentro. O CNJ é o primeiro exemplo
disso.
Por certo, se continuarmos surdos e inertes, alheios ao que acontece à
nossa volta, seremos, ao final, expulsos de nossos castelos, sem nossos tão
desejados títulos, comendas e condecorações.
Espero apenas que também não sejamos mortos como animais e enterrados em
cova rasa no deserto. Que antes do fim a autocrítica tome conta de nosso meio e
sociedade tenha enfim o Poder Judiciário que merece.
*.Juiz de Direito na comarca de Belo Horizonte (MG)
Fonte: Canal Eletrônico com informações do clipping do CNJ
Como citar este artigo:
CASTRO, Átila Andrade de. "Juiz critica magistratura encastelada
que não ouve a voz das ruas ." Revista Digital Canal Eletrônico.
Disponível em http://www.canaleletronico.net/index.php?view=article&id=517.
Último acesso em: 28/10/2011.
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